sábado, 29 de dezembro de 2012

Falsos palácios

E se pensarmos bem quantos palácios no decorrer da história são construídos de forma pomposa, ostentando beleza e magnitude e nada mais são do que construções fajutas, feitas a base de mentiras. Sim, tão frágeis a ponto de um vento qualquer coloca-los a baixo a qualquer segundo, palácios aparentemente resistentes e charmosos que nada mais são do que castelos de areia.
Castelos belos e bem definidos representando fortaleça, poder e exuberância, construções cujo alicerce é tão desmontável quanto um jogo de lego, exatamente, tão quanto.
O mundo civilizado esta cheio destas obras monumentais, mas gostaria de saber quantos destes primorosos palácios se mantém firme frente a uma tempestade, vendaval, vulcão, furacão ou qualquer intempérie. Quantos deles resistem a um teste de qualidade.
Sendo assim, o ideal é uma casinha modesta, bem construída e planejada, sem nada de ostentações, nada de exageros. Uma casinha acolhedora e confortável. Invencíveis à uma guerra e resistentes ao tempo.
Estas, eu acredito que com planejamento, e materiais verdadeiros sejam tolerantes à violência da natureza. Estas eu creio que resistirão, e estas estão aptas a se viver dentro.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O fim


E tudo que começa termina. Aquele pé de feijão, clássico, que todo mundo já deve ter ao menos uma vez na vida plantado em um pequeno algodão, plantamos, ele cresce, vive um tempo e depois morre. Os lindos botões de rosa desabrocham e depois secam.
A primavera dá as caras, tudo floresce, o sol seca, e o inverno mata. Não há mal que dure pra sempre, o que vem volta, viemos ao mundo, nele habitamos, e por fim, independente de termos uma vida plena e satisfatória acabamos por retornar ao universo em forma de carne putrefata, ossos e depois o pó. E assim é com tudo, não há nada que fuja deste ciclo enfadonho.
Os produtos do supermercado, eles vem com prazo de validade, se não o consumirmos acabamos por perdê-los, os objetos, ou por deterioração natural, descuido ou pela obsolescência também se vão. Nossos mascotes e fiéis animaizinhos também vivem um determinado tempo e acabam se despedindo.
Amigos, colegas, família, tudo se esvai num determinado espaço de tempo, causa e circunstância para além de nossos alcances. As pessoas passam por nossas vidas, e seguem seus trajetos que diferentes dos nossos dão continuidade a novas vivências e experiências. Perdemos tudo, seja pelo tempo, caminhos diferentes, mudanças e ou o pior de tudo, a pior das perdas, a morte. Na verdade tudo que vive, morre, seja de forma denotativa ou metafórica. Plantas morrem, animais morrem, amizades morrem e amores morrem. Tudo se acaba, é só uma questão de tempo, dias, meses e ou anos.
Que tudo seja vivido com a maior intensidade possível, estamos condenados a despedidas voluntárias e involuntárias.
O efêmero é o que se faz presente em nossas existências fajutas. Um brinde ao presente, um adeus ao passado e bem vindo futuro!


quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Beijos sangrentos

Os finais de tarde eram todos iguais, com algumas exceções raras. Uma suave melancolia tomava conta de si enquanto olhava as aves ao longe do céu que perambulavam anunciando a noite.
Ele era solitário e pouco eloquente, portava uma apatia frente ao mundo e era pouco vivaz. Tinha dificuldade em relacionar-se, para ele as relações humanas eram de extrema falsidade ou oportunas.
Fortunato passara a adolescência enfurnado em uma escola para padres, sua mãe assim escolhera o seu destino com antecedência antes mesmo dele poder refletir no que desejaria para si.
Tornara-se padre, ainda bem moço, era jovem e provido de uma beleza sórdida. Fortunato rezava todas as manhãs e pedia aos céus que o expulsassem da igreja, ele queria viver, conhecer moças, sair daquela vida que para ele era de miséria interior. Ele cético, porém crente na percepção de seus antecessores, já afastados do cargo de santidade o mandassem embora notando que o rapaz nada tinha a ver com aquele universo de hostilidade.
Uma manhã, Fortunato fora surpreendido em seu quarto antes mesmo de ter saído de sua cama, um padre idoso o visitara para uma conversa amigável e a respeito de seu desgosto.
Porém, o padre muito esperto, e percebendo a insatisfação do jovem, acreditava que apesar de sua infelicidade estava estigmatizado ao que havia sido reservado para ele. Joaquim, o padre velho, dizia a Fortunato que ele era abençoado e que devia fazer jus ao que a ele tinha sido predestinado.
Para Joaquim, Fortunato não passava de um jovem rebelde e que sua rebeldia o trazia desgraça e descontentamento, porém, não se deteve demasiadamente. Falou o que pensava e o que havia percebido com o decorrer do tempo e saiu de cena.
Fortunato ficara ainda mais intrigado com a visita inesperada e com as palavras de Joaquim.
Aquele dia era de profunda melancolia e recolhimento. Fortunato não saíra do quarto nem mesmo para alimentar-se. Pensara durante todo aquele dia, não se manifestando, acreditava que pudesse encontrar uma solução para seu problema de insatisfação, e de sentimento de desgraça em sua vida.
Fortunato já um sacerdote, visto com bons olhos pelos seus paroquianos e população com fé e frequentadores da casa santa, via-se em pé de guerra com deus, oscilando entre amor e devoção e abandono, perdia-se em devaneios com drogas a fim de fugir dos momentos de infortúnio. Sua mãe, uma santa mulher, que com o nascimento de Fortunato o entregara a deus, sentia-se realizada e plena sendo o filho um padre, que seguia as leis bíblicas, era fiel a deus e obedecia as ordens celestiais. Ela sabia do desencanto do filho, mas acreditava que com o passar do tempo, Fortunato acatara suas ordens e por fim satisfazia-se e aprendera a amar o sacerdócio, porém jamais sonhara que o filho pretendia abandonar aquela vida a ponto de entregar-se às drogas ilícitas e tendo ele alguns pensamentos de suicídio.
Durante as poucas visitas do filho, Helena sentia um vazio em seus olhos, uma tristeza nas palavras, mas ainda era plena e feliz pelo filho estar representando deus.
Naquela tarde onde Helena encontrava-se à sombra de uma árvore acompanhada de Fortunato, ela o questionara sobre a vida sacerdotal. Ele em momento algum demonstrou alegria, a mãe sentia a má fé do filho frente à profissão escolhida por ela desde a maternidade, mesmo assim jamais o incentivara a abandonar.
Os dias foram passando, os meses também, e a angústia de Fortunato só aumentava. Um dia, ele tomado de dor pensou em como manter duas vidas, ou até mais de duas. Traçou um perfil novo, novas vestes, pensamentos e atitudes. A partir daí as coisas começariam a tomar um novo rumo em sua vida e na comunidade onde vivia.
Em uma noite chuvosa Fortunato saíra a perambular as ruas pacatas do pequeno vilarejo e avistava moças bonitas, prostíbulos e tabernas. Ele sangrava por dentro, sentia-se se seduzido pelas tabernas obscuras onde beberrões saciavam sua sede soturna e desejoso daquilo adentrou ao local de pecados.
Extasiado, Fortunato não resistira e começara uma peregrinação devasta por locais de perdição humana.
Assim foi por inúmeras noites, até que em uma delas, Fortunato conhecera o demônio. Ele se apresentava vestido elegantemente, fumava charuto, bebia e falava macio. Os dois começavam uma conversa longa e profunda a cerca da humanidade e seus desejos escondidos e temidos, sendo assim vivendo de maneira frustrada pelo temor da mão de deus.
Ficaram por horas dialogando, até que a taberna encontrava-se vazia e o taberneiro os convidou a irem embora, já passava das quatro e ele precisava fechar e dormir. E assim foi eles saíram do recinto, despediram-se e cada um tomou um rumo oposto em relação ao outro.
No dia seguinte Fortunato dormira o dia todo e por consequência fora visitado por um paroquiano que estava preocupado com o seu sumiço repentino. Padre Onofre percebera a mudança na face de Fortunato, deduzindo que algo de grande relevância havia ocorrido na noite anterior. E ele estava correto em sua dedução, Fortunato estava seduzido pela noite que o pequeno vilarejo oferecia em segredo.
A noite chegou e Fortunato não resistira e saíra novamente em busca de emoções para sua vida monótona. Ele e o amigo misterioso que encontrara na noite antecedente não haviam combinado nada. Mas Fortunato desejava reencontra-lo, sentia que tinha algo a aprender com o amigo oculto.
Chegando à mesma taberna que frequentara uma noite antes, Fortunato entristeceu ao perceber a ausência daquele homem tão misterioso e sábio. Pediu uma bebida, adquiriu cigarros e sentou-se em uma mesa afastada, passou horas ali bebendo e observando o comportamento e as conversas dos taberneiros ali presentes.
Quando o relógio anunciou meia noite, a porta da taberna se abriu e junto com ela um vento gritante adentrara o recinto e eis o amigo soturno. Fortunato já em êxtase alcóolico avistou o amigo e aguardou por instantes até que o nobre cavalheiro o abordasse.
A taberna estava cheia, os homens que ali se encontravam bebiam, jogavam, conversavam alto, alguns gritavam, outros faziam apostas em jogos de azar. Era uma verdadeira libertação da luz do dia onde todos de alguma forma tinham uma vida diferente daquela noturna.
O cavalheiro distinto se aproximara do balcão e pedira uma bebida, acendera seu charuto e se se encostara à parede de pedra ao lado do balcão. Ali ficara por alguns minutos até avistar Fortunato. Assim que o viu aproximou-se do jovem padre a fim de seguir o diálogo que parecia incessante.
Fortunato sentia-se em estado de graça com a nobre presença do cavalheiro misterioso, sentia-se protegido e sentia uma sensação forte e demasiadamente estranha, mas aquilo o agradava. Como na noite anterior, os dois deram início a uma conversa duradoura que vingou até que novamente o taberneiro pedisse que se retirassem devido ao horário.
Mais uma vez eles saíram da taberna, mas diferente da noite anterior Fortunato desta vez havia sido convidado a ir a outro local, ele aceitara, nem tudo se perdera, ele ainda tinha a sede da madrugada.
Chegaram a uma casa em meio à mata, cercada de felinos a velha cabana parecia abandonada a tempos, o mato adentrava o lúgubre recinto e ao longe se ouvia uivos de lobos famintos. Fortunato e o cavalheiro oculto adentraram o inóspito ambiente. Lá Fortunato fora surpreendido com o que encontrara. Ficara sem palavras por instantes e sem reação.
Luzes, bebidas, o aroma noturno e mulheres. A primeira reação pós-choque foi de fuga, mas Fortunato fora impedido de abrir a porta que rangia sem ser tocada. Em seguida viera até ele uma dama usando trajes sensuais e o pegou pela mão, o rapaz ficara pálido e acanhado, e ao mesmo tempo parecia gostar do que acontecia a ele. Minutos depois, quando ele caíra em si, o misterioso homem sumira deixando Fortunato a sós com as ilustres damas da noite.
Na manhã seguinte Fortunato acordara com o sino tocando anunciando que já eram dezoito horas, ainda zonzo e sem compreender o que acontecera na noite passada e como havia chegado a casa depois de ter estado em embriaguez profunda e sem saber o que ocorrera na cabana.
As primeiras horas em que Fortunato esteve acordado sentira verdadeiro pânico e desespero. O que mais o atormentava era o esquecimento, a perda da memória e a falta de controle sobre si. A noite chegou e ele preferia se resguardar, colocou-se a rezar e depois adormeceu.
O que ocorrera na noite que antecedeu era apenas o início, e Fortunato estava entrelaçado àquele universo onde os pecados prevaleciam. Acordara banhado em suor na madrugada e percebera uma marca em suas costas, marca esta de sangue e inexplicável. Não sentia dor, e cicatrizara rapidamente. Fortunato perdia-se em devaneios, começou delirar e sua febre aumentara.
Finalmente o dia chegara e com ele veio sua mãe, esta viera de longe para visitar o filho, recebera uma carta de um dos sacerdotes relatando o estado de estranheza do filho. Ficara amedrontada ao ver o filho, não o reconhecia.
Fortunato dormira durante a estada da mãe, um curandeiro do vilarejo fora chamado para ver Fortunato, o ancião nada pode fazer, preparou ervas e banhou-o. Pediu que procurassem um médico na cidade, não conseguindo detectar nada que estivesse ao seu alcance no jovem.
Na manhã seguinte a mãe de Fortunato voltara para casa recomendando aos sacerdotes que tomassem conta do filho e em caso de piora a chamassem.
Repentinamente depois de dois dias Fortunato sentia-se bem e disposto, estava transformado. Mandara uma carta à mãe avisando de sua melhora e satisfação na vida sacerdotal. Milagrosamente os problemas pareciam ter desaparecido. O jovem se encontrava em estado de vivacidade e não aparentava doença ou perturbação. Tudo havia sido solucionado.
Rezava suas missas com zelo e devoção, as moças cristãs da comunidade passaram a vê-lo com pureza e Fortunato percebia o interesse quando vinham se confessar. Não demorou para que Fortunato iniciasse um romance com uma das moças que frequentavam a igreja.
Mantinham o caso em segredo, a moça o visitava todas as madrugadas em seu quarto. Não passara um mês e a jovem aparecera misteriosamente morta próxima a um lago longínquo. As investigações foram insuficientes para que descobrissem o que ocorrera.
E assim foi por muito tempo, seguidamente jovens cristãs apareciam mortas em matas, cemitérios, casas abandonadas. A polícia local não dera conta das investigações e acionou a polícia da cidade local, esta também falhou e nada fora descoberto.
Os crimes seguiam e Fortunato era muito elogiado pelos cristãos da comunidade e pelos sacerdotes. A jovialidade, tranquilidade e benevolência de Fortunato o salvavam a cada crime cometido por ele.
E se passaram alguns meses, e tudo parecia ter cessado, nada de sumiços, crimes e nem pavor, Fortunato havia se apaixonado pela última donzela a quem mantinha sigilosamente um caso. O romance foi descoberto pelos padres que o questionaram a respeito e ele decidira casar-se com a moça. Nada mais ocorreu, e aquele vilarejo estava a salvo do lobo faminto de ovelhas ao relento, que agora não corriam mais riscos de ataques Feitos por um devorador de jovens moças ingênuas, as quais tinham suas vidas abaladas por uma paixão e queimariam no inferno ainda depois de terem sido assassinadas.





















A tragédia na arte

Aristóteles já dizia que um homem quando vê a tragédia, não sente desejo de cometer atos malévolos. A tragédia está intrínseca na vida do homem. Este se sente com a ausência de desejos de agir de forma trágica quando assiste a um ritual onde foi usado de violência.
Seria talvez o caso de o teatro, o cinema e outros meios, atribuírem à tragédia como uma válvula de escape para o homem? Este, extasiado pela tragicidade alheia não quereria para si o mesmo em sua humilde realidade? Ou ainda como muitos pensam, e que de fato pode vir a ocorrer, sendo a tragédia um modelo para a violência real entre os homens?
Qual o papel da arte da tragédia ou da tragédia na arte para a humanidade?
A vida imita a arte ou a arte imita a vida? Estaríamos libertos deste desejo de vingança, morte e maldade, ainda que muitas vezes gratuita?







Imagem extraída do filme: A fonte da donzela de Ingmar Bergman.

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Romeu e Romeu.



Eles se conheceram numa linda tarde de outono, trocaram carícias sob a sombra de um plátano velho. E de lá para cá não desgrudaram mais, amavam-se cada vez mais, a cada dia que passava o amor deles aumentava. Vinham às noites, os dias, veio o frio depois o verão, eles brigaram muito, mas continuaram a se amar.
Eugenio era pacato, tinha voz suave e aveludada, porém gênio forte, jamais levara um desaforo sequer para casa, não sabia receber não, era impaciente na maioria das vezes e ríspido quando julgava necessário. Ele era estudante de letras, era amante dos livros, aliás, na tarde em que conhecera seu amor sob a sombra do plátano, se encontrava deitado lendo literatura russa quando foi surpreendido com a chegada daquele ser que lhe tirara o fôlego no mesmo instante de sua aproximação. O jovem não contava mais de 20 anos. Sim, era muito jovem e cheio de vida, possuía uma vitalidade invejável, era esportivo, corriam todas as manhãs, cuidava de sua saúde e alimentação, depois do café matinal se fechara no quarto para o momento precioso de suas leituras, onde adentrava num mundo distante e irreal. Ele costumava interagir de tal modo que parecia fazer parte da história.
Passados poucos dias, Eugenio convidara aquele que julgava sua alma gêmea para ir visitá-lo na residência da família. Era férias, verão tórrido e ele como um bom filho saíra da cidade onde mantinha seus estudos para ficar ao lado da mãe por quem era bajulado desde a infância. O pai de Eugenio era um cavaleiro distante, ausente em momentos cruciais familiares. Saia para pescas e demorava muitas vezes dias para retornar ao lar. A mãe de Eugenio já acostumada com tal situação nem se importava mais. O jovem sentia a falta do pai, na verdade desde criança sentia, pois desde aquela época o pai já mantinha relações longínquas com os familiares, até mesmo com a esposa e o filho.
Estas seriam férias diferentes, eu diria a mais excêntrica de todas que Eugenio já teve. Ele estava decidido a romper ciclos e reiniciar suas vivências. Queria dar um basta aquele sufoco que sentia, aquilo o incomodava, era como se mantivesse uma corda ao pescoço e de acordo com a situação era puxado a não cometer este ou aquele ato.
O jovem pegou o trem rumo a Constância Velha, o vilarejo onde a família residia. Chegando a casa, a mãe o recebera com bolo quente, leite fresco e muitas histórias ocorridas nas redondezas. Mas tudo levava a crer que aquelas férias não seriam iguais às anteriores. O jovem ao chegar a casa e fazer o lanche do final de tarde conversava com a mãe e logo de início disse que em breve um amigo viria vê-lo, e a recomendou que o tratasse muito bem, alegava ser um amigo muito especial que conhecera na faculdade e desejava que ele fosse bem recebido e que se sentisse em casa.
A mãe de Geninho, como o chamava, estranhou o comunicado e o pedido, mas não se importou muito, a família era muito modesta, mas sabia acolher bem a todos que por ali passassem.
No dia seguinte o trem das 16 traz um passageiro diferente, que jamais havia sequer passado por ali, era Charlie, o amigo de Geninho. O rapaz o esperou na velha estação e seguiram para casa. A mãe de Geninho o recebeu como se fosse um velho amigo da família, fez-lhe uma recepção agradável, cozinhou milho e frango para o jantar. Quando a noite chegou, junto com ela veio o pai de Geninho, a mais de uma semana ausente, chegou de surpresa e surpreendendo a família, estava sujo e faminto, disse não ter conseguido grande pesca devido à seca que fazia na região.
Ernesto, o pai de Geninho curioso sobre a visita, começou a questionar o rapaz vindo de longe para visitar o filho. Disse ele estar surpreso, pois o filho jamais mencionara o nome de Charlie, e que nunca imaginou que o filho tinha um grande amigo sem o conhecimento da família.
Conversaram muito depois do jantar na varanda da casa enquanto ouviam o cantar dos grilos, no desfecho da conversa Ernesto fala a Charlie que jamais permitiria homossexualidade em casa. Charlie fora pego de surpresa, imaginou que o pai soubesse da relação dele com o filho.
Charlie sem saber o que dizer tentara conduzir a conversa para outro lado tentou introduzir novos assuntos, e assim foi-se a noite. Foram dormir e, na manhã seguinte Eugenio convidara Charlie para um acampamento no meio do mato, dizia que tinha um belo caminho até lá, que praticamente eles atravessariam todo o vilarejo, o rio que dividia a cidade, os trilhos do trem, e que seria um passeio irresistível.
Pela manhã a mãe de Eugenio preparara um saboroso café com bolo fresco, roscas e pão ainda quente, sentaram-se todos à mesa, depois disso Geninho e Charlie prepararam-se para a aventura, arrumaram as roupas, barraca, água e comida, despediram-se dos pais e seguiram.
Saíram em direção ao riacho, mas para isso deveriam antes atravessar todo o vilarejo, o que não foi nenhum esforço, pois o local era lindo, bem arborizado, composto por casas antigas, aonde Geninho ia relatando histórias dos moradores locais e de casas assombradas. Dizia ele que nas redondezas havia muitos casos de casas com uma aura viva e por vezes até um tanto assustadoras.
Caminharam quase toda a manhã, Charlie conheceu tudo que podia e finalmente chegaram ao trilho onde o trem passara. Lá sentaram e ficaram a observar o local quase que abandonado, a estação férrea devorada pelas intempéries, mas ainda um lugar belo possuía uma beleza excêntrica como as ferrugens, o aspecto abandonado e de certa forma sombrio. Poucos freqüentavam o local, era praticamente ponto turístico por sua excentricidade e local onde alguns se reuniam para consumação de drogas ilícitas e orgias soturnas.
Depois de tempo ali sentados e calados, ambos seguiram rumo ao término do vilarejo onde se encontrava um riacho com águas límpidas e refrescantes. Caminharam mais um tempo até que chegaram, logo foram tomar um banho na pequena cascata, estavam com calor devido à caminhada e o sol já escaldante naquele horário. Pareciam muito felizes e satisfeitos, agora sim estavam longe dos olhos da mãe e principalmente do pai de Geninho. Podiam se amar sem medo, insegurança e a possibilidade de serem flagrados juntos.
Depois de um tempo saíram da água, secaram-se e prepararam a barraca, já se fazia início da noite, queimaram incensos para aromatizar e principalmente espantar os mosquitos. Depois alimentaram-se das delícias feitas pela mãe de Eugenio, fumaram um baseado e conversavam sobre a vida, sobre a relação que estavam tendo, sobre seus medos e anseios.
Eugenio temia muito o gênio forte do pai, sentia calafrios só em pensar na hipótese do pai homofóbico descobrir tudo. Charlie o acalmou dizendo que estava tudo sob controle e que ele jamais desconfiara de nada.
Depois de horas de conversa, pegaram no sono, acordaram apenas na manhã seguinte com o sol invadindo a barraca e o calor os espantando para fora dela. Caminharam pela mata, colheram alguns frutos e depois disso pescaram um peixe para o almoço. Fizeram uma fogueira e o assaram, posteriormente tomaram um banho na cascata novamente, se amaram enlouquecidamente, a paixão que sentiam era tórrida e parecia não cessar.
Anoiteceu outra vez, prepararam o fogo, sentaram em volta dele e contaram histórias de terror, Charlie sentia medo, o rapaz adentrava profundamente nos causos contados pelo amante e acabava por encarnar os personagens. Eugenio ria da situação, para ele nada mais eram que lendas e histórias do além.
A noite passou depressa, os jovens enamorados depois de horas falando sobre fatos reais e irreais caiam de sono. Esta tinha sido uma noite diferente, eles haviam tomado ácido e se encontravam em estado de euforia, pareciam não se conter em seus corpos, antes de adormecerem corriam nus por entre as árvores, gritavam como se estivessem sido libertados de uma prisão onde se encontravam enjaulados a muitos anos. A sensação de liberdade os consumia, e ninguém os ouvia, era afastado de tudo que se pudesse imaginar.
Finalmente exaustos caíram nos braços um do outro, fizeram amor, o mais louco possível e inimaginável e adormeceram.
Esta realmente tinha sido a noite mais agitada, chocante e intensa que lhes ocorrerá. E igualmente a última. O pai de Eugenio os encontrara dormindo nus e abraçados e sem pensar duas vezes lançou dois tiros mortais que os atingira os corações dos amantes apaixonados que morreram instantaneamente após os disparos mortais.





domingo, 13 de maio de 2012

Alforria

Adquirirei minha carta de alforria. Liberdade é supremo à vida. O homem sem ela se torna estagnado ao tempo. Vivendo assim uma vida que não pertence ele, que já lhe foi tirada e que possivelmente ainda não tenha se dado conta.
As amarras, os pulsos algemados, a fixação destrói lentamente. A alma se torna vulnerável e perfurada, deixando vazar a essência ainda oprimida.
A opressão torna o sangue latente em sórdido. A pulsação esgota-se causando a morbidez humana. Tornamos a corrupção um vício para com a nossa própria existência. O cataclismo da existência humana é evitado, descartado, nos fazendo pairar na mesmice da prisão eterna.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

O verdadeiro ator.

Um bom ator sabe o momento certo para retirar-se de cena. Ele tem consciência que numa outra época desenvolveu bem seu papel, e que teve grande aceitação pelo público. Aliás, ele já teve um, e sabe que já não o possui mais. Talvez sua paixão pelo trabalho já não arda mais, talvez tenha perdido a graça, talvez não faça mais sentido a ele, e nem aos outros que continue. Então este ator, substitui os palcos, cenários onde brilhara antigamente, pelo palco de sua própria vida, tentando assim redescobrir um novo brilho, que o faça sentir-se iluminado, embriagado em meio a tantas possibilidades, pelas quais esteve a vida toda de olhos fechados. Assim, para ele, reinicia um novo ciclo, bem como muitos outros que surgirão, assim que este não couber mais a ele. Assim é a vida. Em meio a angustias, alegrias, precipitações e entusiasmo, quando menos se espera algo já mudou, e ainda não nos transferimos para o novo, estamos com a mente presa no que vivemos, não queremos desgrudar, como uma aranha negando a ecdise, mas ela não tem escolha, é necessário, e isso acontecerá, assim como nós, meros mortais que pensam que as coisas são eternas, também deveríamos aceitar e compreender os ciclos da vida, que são naturais, necessários, possuem sua beleza e não existe uma forma e ou uma fórmula para escapar.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

A eterna insatisfação

O homem, o tempo, os anseios e a insatisfação. O homem que passa a vida procurando, buscando satisfazer-se, querendo tempo e eliminando anseios.
O tempo que parece volátil, diluído como gotículas ao relento. Os anseios, que sem eles cairíamos num mar de angústias por não tê-los, porque se não os tivermos não temos objetivos e se não temos estes quais seriam os sentidos que daríamos à nossa existência?
Caminhamos rumo ao mar da insatisfação eterna e reclamamos por vezes disso. Mas não condicionados a ela estaríamos estagnados, flagelados.
A insatisfação nos faz viajar num mundo intrínseco, como um encontro com nós mesmos. Através dela saímos do comodismo. Este que faz com que não nos desestagnamos. Renovamos. Insatisfeitos na busca pela satisfação efêmera hoje para amanhã estarmos novamente insatisfeitos.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Último diálogo ao amigo


Disse ele em seu leito antes de adormecer:
“- E o coração dela não mais me pertence, ó céus que iluminais minhas noites trêmulas e gélidas.
-Meu caro amigo, que poderias fazer? Amor próprio caríssimo, amor próprio. É isso que falta ao nobre amigo.
- Sei bem disso. Não posso mais nada cometer. Seu coração vive em outro. Não há mais espaço para o meu.
- Que bom que compreendes fiel companheiro. Que bom que compreendes.
- Faltar-me-ia o mínimo de amor a meu próprio ser se recorresse a algo que um dia me pertenceu, mas que agora pertence a outrem. Não devo tentar roubar o que já tive em outro momento e que agora vive obscuro perante meus olhos. Nem mais consigo enxergá-lo.
-”É meu amigo, agora permanece distante dos olhos, mas continuará vivo para sempre em vossa memória.”

domingo, 29 de abril de 2012

Inverno de 1815

Inverno de 1815, Edward se encontrava entediado, em frente à janela, o jardim pálido, as flores murchas, a neve aos poucos devastava aquele espaço que outrora fora um espaço vivaz.
As pessoas passeavam agasalhadas, o frio cortava-lhes as faces. A chuva começava cair languidamente.
Edward, não se sentia vivo, sua vontade era tão quanto aquele jardim mórbido, cujo qual se perdia em seus devaneios.
Resolveu ir até a padaria mais próxima buscar cigarros, a comida de gatos também acabara o pobre animal sentia fome.
Enquanto caminhava chutava algumas pedrinhas que encontrava no caminho, e refletia, sempre refletindo, pensava ele próprio a seu estado.
Ao chegar em casa, abriu um vinho, enquanto bebia, o telefone tocaram era Alfred, um dos poucos amigos que possuía, queria saber como estava, e se podia fazer-lhe uma visita.
Edward ficara surpreso, não estava habituado a ser procurado por ninguém, disse ao amigo que viesse.
Ao chegar a casa de Edward, o amigo se surpreende, ora, sempre o fora tão organizado e perspicaz, agora se encontrara em verdadeiro caos doméstico, roupas sujas pelo chão, cinzeiros transbordando restos de cigarros, o gato Sócrates magrelo, devido a desatenção do dono, Alfred não reconhecia mais o amigo que passara um longo período sem ver.
Simples, alegava Edward, tudo perdera a graça, não tinha mais motivos por manter nada em seu lugar, a vida já se encontrava fora do eixo, deslocada, e a casa adquirira personalidade e vontades próprias, e quisera se aparecer com o dono.
Sócrates que continuava intacto em suas manias, viva por sua vez fora do eixo também por não partilhar o modo como o lar e Edward se encontravam. Mas ele, praticamente sobrava naquele ambiente hostil e triste, o gato ainda vivia.
Eles beberam do vinho e fumaram o maço de cigarros, conversaram um pouco, na verdade Alfred conversou, Edward se mantiver apático durante a estada do amigo ali no recinto privativo.
Constantes eram as tentativas de Alfred animar o velho amigo, porém, todas em vão.
Desanimado e desistindo de tentar comunicar-se com Edward, ele pega seu chapéu, despede-se e vai embora.
O dia finalmente se foi, pensara Edward, já alterado devido às taças de vinho que tomara, deitou-se no sofá e adormeceu. A noite era longa, os sonhos adentraram sua mente, perturbando-o, como de costume. Fez-se a manhã, o café quente na varanda, o sol matinal que o aquecia, e de certa forma trazia um conforto, as torradas com manteiga, Sócrates se esfregando em suas pernas, enchendo-o de pêlos. Tudo como o habitual.
Mas Edward, estava cansado daquilo que chamava de vida, e pensava seriamente em acabar com tudo, sim, ele dizia a si mesmo “eu sou um suicida, o que me falta para dar fim a isso?” Coragem, pensava ele.
“Sim, meu caro, é disso que você precisa, pra acabar com esta paranóia sem sentido”. Edward falava para si, ele não era de manter amizades, acostumado a viver, apenas na companhia de Sócrates, e de seus pensamentos insanos.
Anoitecia e amanhecia...
Certa noite, Edward, fumara um cigarro, quando teve sua última tragada, pegou Sócrates em seu colo, o acomodou bem contra o peito, e jogou o resto mortal daquele, que sempre o acompanhara. Uma labareda de fogo se formou, incendiando a velha casa.
Edward, na companhia de Sócrates caminhava lentamente para o nada.





O açougueiro de Monteville

O homem chegara a cidade por volta da meia tarde, sentou num banco, acendeu um cigarro, aguardou um instante, os transeuntes caminhavam alguns mais apressadamente que outros. Algumas moças riam enquanto tomavam sorvete, senhoras sentadas nos bancos próximos alimentavam os pombos, outros passeavam com seus cães.
Seguindo a multidão Henri seguia a seu destino, onde Harry o esperava ansioso.
Harry era o misterioso açougueiro de Monteville, uma pequena cidade ao sul da França, chegara lá a pouco menos de um ano, ainda ninguém o conhecera, devido ao seu ar hermético. Esperava o visitante com um refinado jantar, e uma boa bebida. A tempos Harry não se sentia tão vivaz, sua vida era sem grandes acontecimentos, trabalhava o dia todo cortando carne, e fora isso, ficava em casa, sempre sentado em sua poltrona a esquerda da grande sala vazia, e próxima à janela, que é de onde Harry apreciava a noite e o brilho opaco das estrelas, e assim passavam dias e noites.
Bateu a porta, Harry tirou seu avental sujo, penteou os cabelos, viu-se no espelho, sentia-se pálido e envelhecido, queria causar boa impressão ao amigo vindo de longe, cujo qual desde que mudara para Monteville não via mais. Quando Harry abriu a porta e deu de cara com Henri, surpresa fora tanta, que perdeu a fala, estava perplexo com a mudança do amigo, e ao mesmo tempo não acreditava ter em sua frente a presença do velho companheiro.
Entraram, Henri contou-lhes da viagem, do longo percurso que percorrera, das horas que passara a observar os moradores de Monteville. Enquanto isso Harry arrumava uma bebida, estava frio, fez fogo na velha lareira, beberam, conversaram, depois foram jantar, e ao mesmo tempo que faziam a refeição, Harry perguntou a Henri sobre o que andava escrevendo, e também falou como tinha sido este ano na cidade, contara de suas dificuldades, da curiosidade que despertava no moradores, assim as horas passaram, até que amanheceu o dia e eles continuavam ali intactos. Depois de tomarem o café da manhã, saíram passear pela cidade e tomar um sol, fazia frio. Em seguida foram até o açougue, onde Henri se deparara com a realidade em que o amigo se encontrava, animais mortos, e naquela manhã acompanhou o trabalho árduo e indecente do amigo. E os negócios para Harry não iam bem, visto que cada vez mais aumentavam suas dificuldades em viver naquele lugar, que até aquele momento para ele era inóspito, as pessoas sentiam medo de Harry, acreditava o amigo que não frequentavam seu açougue por este motivo.
Durante o almoço, Henri teve uma idéia, a qual compartilhou com Harry, ele simulara uma nova vida ao amigo, dali para diante aconteceria algo que se o amigo aderisse, sua vida poderia estar ajeitada, e finalmente sair daquela vida de miséria. Henri, com sua imaginação fértil e tentadora, sugeriu ao amigo que começasse apresentar novos produtos aos cidadãos montevillenses, Harry, espantado, perguntou como poderia, se a vida toda só conhecia a respeito da morte e seus cortes. Então, Henri foi claro e objetivo alertando que não deixaria de fazer o que faz sentido para ele, que não seria nada difícil, considerando que o açougueiro fosse um sujeito interessante, de olhos azuis, barba por fazer e cabelos desgrenhados, sem contar o ar misterioso, e sua elegância. Harry, mais espantado ficava, a medida que Henri ia descrevendo-o, e tentando assimilar o que uma coisa tinha a ver com outra.
A conversa perdurou o decorrer do dia. Durante a noite, quando se encontravam num café da cidade, o amigo o revelou o que pensara. E a apartir deste momento, as coisas iriam tomar um novo rumo.
Na manhã seguinte Harry tratara com mais atenção de sua aparência, fora a barbearia, comprara roupas novas, adquiriu um novo ar, era um novo homem, nem mesmo Harry acreditava na transformação do amigo.
Passaram a sair mais pelas noites de Monteville, as pessoas olhavam estranhamente para a nova aparência do açougueiro misterioso, ele despertara a atenção dos moradores. Harry se tornara da noite para o dia a ser agradável e sociável, mudando assim seus relacionamentos até então inexistentes com os habitantes da pequena Monteville.
As coisas mudavam, eram noitadas de bebedeiras e jogos. Em pouco tempo, desde a chegada de Henri, a casa do Harry passara a ser freqüentada, oferecia banquetes a seus convidados. Tudo ocorria muito bem, e o plano de Henri começava a se concretizar.
Num destes jantares, Harry seduzira sua primeira vítima, um cidadão respeitável, de méritos, depois do jantar, e de terem bebido muito, Harry tinha sua obra prima, tranformara o homem em fragmentos, que naquela mesma madrugada, o temperara delicadamente, e, no dia seguinte oferecia a seus clientes.
E assim foi, era uma vítima por noite, e o açougue começou a lhe render uma pequena fortuna, a carne era forte, saborosa, e cada vez aumentava mais a procura por sua nova mercadoria. Quando os clientes lhe comentavam da mudança brusca em Harry e no que oferecia em seu açougue, Harry, dizia que havia se especializado, e buscado algo primoroso, tão quanto uma obra de Mozart.
Na medida que seu negócio aumentava, moradores se mudavam, iam embora de Monteville, sem deixar rastros. E Harry sempre a oferecer jantares em sua casa.
Ninguém desconfiara de nada, Harry, com a ajuda do amigo, depois de ofertar um belo jantar a homens de Monteville, os transformava em alimento depois. Era sempre o mesmo ritual, bebiam, jantavam, tornavam a beber e depois a carnificina. Ele usava seu machado afiado, e decepava a cabeça de suas vítimas, e o sangue percorria pelo assoalho velho de madeira, penetrava pelas frestas, depois disso, com toda delicadeza, Harry cortava a carne, temperava de modo que a tornasse especial e atrativa, embalava e as vendia aos cidadãos Montevillenses.
O sabor agradava a todos, Harry quase não dava conta, o interesse era tanto, que quase não podia suprir os desejos de seus clientes.
Pouco a pouco, a população masculina sumia de Monteville, e um mistério assombrava a pequena cidade. Percebendo isso, Henri e Harry, da mesma forma que os outros homens daquele local, sumiram, de forma semelhante aos outros, porém com um final diferente. Seguiram dali, já possuíam uma grande quantia em dinheiro, e recomeçaram tudo em outro lugar, onde diferente de Monteville, foram bem recepcionados pela população. E tudo seguia como antes.










João e Maria Dark Side

Era madrugada do mês de abril de 1924, fazia muito frio. A grama congelada, os animais recolhidos para se protegerem. Neste exato momento Anna começara sentir as dores do parto, caminhava pela casa, fez um chá quente, acalmou-se. Mas um tempo depois a dor voltava e parecia não cessar. Então percebera que devia chamar a parteira, para que viesse lhe auxiliar no nascimento de seu primeiro filho. Havia neve na calçada, os campos eram brancos, o frio intenso, mas não tinha outra saída senão chamá-la, a criança dava sinal de que nasceria em breve. Anna foi até lá, não tinha a quem pedir que o fosse, então vagarosamente atravessou a nevasca, enfrentou o gelo, e seguiu até o rumo desejado.
Chegando a casa de Matilde, assim se chamava a parteira, Anna bateu e com um alívio, conseguira sorrir, nem ela acreditava que chegaria lá. Dulce ao ouvir aquela batida ofegante, sentira que alguém estava precisando dela naquele momento, levantou rapidamente, agasalhou-se, prendeu o cabelo e foi em direção à porta.
Abriu-a, era Anna, estava assustada e feliz, ansiosa e aliviada. Matilde convidou-a para entrar, fazia um frio imenso na rua, ela entrou, assim que adentrou a casa de Matilde, Anna começava sentir dores fortes, seu filho, um pouco prematuro, estava chegando.Sem passar muito tempo, Matilde foi preparando o necessário para o parto. As crianças chegaram, primeiro veio o menino, quando Matilde pegou em suas mãos o pequeno, e entregou-o a mãe, Anna e Matilde se surpreenderam, não sabiam que ali havia mais uma criança. Sim, depois do garoto, fora tirado do corpo sangrento de Anna uma linda menina, de olhos escuros e pele clara. Tivera por sua surpresa gêmeos.
Os anos passaram, e as crianças estavam crescidas, nunca se desgrudavam, tinham uma ligação absurda, a mãe saia todos os dias pra trabalhar, e eles ficavam só em casa. Ainda sem o compromisso da escola, aos 4 anos de idade, Maria e João eram muito criativos, brincavam, inventavam o que fazer com o tempo que tinham enquanto a mãe se mantinha fora de casa. A imagem materna lhes era tudo o que tinham, quanto ao pai a mãe nunca falara dele, era como se fosse um fantasma, crescendo eles então sem a imagem paterna. Os demais parentes, vivam longe, a mãe isolava-se num mundo afastado dos familiares e das demais pessoas. Anna tinha problemas em manter relações próximas, e preferia educar seus filhos assim. As crianças nada achavam de estranho, era o que lhes era oferecido desde o principio, não fazia falta a presença de outros seres, sem contar que vivam cercados de animais, tinham uma vida saudável, ligados à natureza, e assim se davam por satisfeitos.
Passou mais um tempo, e Maria e João tiveram de começar ir à escola, de início, era algo novo, muito diferente do que viveram até então. Mas com o passar dos dias, meses, a professora percebia uma diferença nas crianças. Elas eram herméticas, e não se interessavam em fazer amizade com os colegas, apenas os dois mantinham um contato íntimo e amigável. Numa dessas reuniões de pais, a professora comentou com a mãe, este fato, e a questionou a respeito, Anna apenas tinha a dizer que eles além de gêmeos, eram muito ligados desde que nasceram foi desta maneira, e que talvez realmente sentissem dificuldade em se relacionar, pois cresceram sozinhos numa espécie de mundo mágico inventado por eles. Mas enfatizava que eram normais, e que nunca tivera problemas com as crianças.
O ano terminou, as crianças permaneceram na escola, mas daquele jeito que iniciaram, somente os dois em um canto isolados da turma. Mas deu certo, do jeito deles.E assim seguiu até a adolescência, nada havia mudado, era como se os anos tivessem tão congelados quanto o clima em que viveram suas ternas e doces infâncias que o tempo lhes tirara como um sopro no vácuo.
Quando Maria e João estavam entrando no ensino médio, novos ventos sopravam aquelas vidas pacatas e harmoniosas, começando discórdia entre eles, pelo motivo de que Maria com uma beleza e personalidade singulares, atraia em muito os meninos da escola. Ela chamava atenção por ser enigmática, era quieta, já sociabilizada, mas de poucas palavras, muito observadora e curiosa. Isso despertou o interesse dos garotos, e o ódio de João, que sentia perder sua irmã, como num piscar de olhos, mas ele não desgrudava dela um segundo sequer.
O medo de perder Maria se tornou obsessivo, chegando fazer com que João perdesse noites de sono pensando em como seriam os dias seguintes e o futuro.A mãe pouco participava da vida dos filhos, deu-lhes boa educação, afeto, nada lhes faltavam, mas deixava os livres em suas escolhas e no modo como viam e percebiam o mundo. Talvez um jeito errôneo em libertar os filhos, mal sabia ela o que criara em sua casa.
Um dia num súbito descontrolado, João agride um colega, por demonstrar interesse exarcebado por Maria. Sua mente insana não o deixava pensar com clareza e já não discernia nada, perdido em seus pensamentos loucos e vagos, um dia João o mata num acesso de raiva incontida.
É ai que tudo mudou, e a mãe continuava indiferente aos fatos relevantes. João já com 18 anos fora encarcerado. E um enigma aflorava a população das redondezas, foi um crime chocante e inexplicável, mas João mantinha-se calado frente ao juiz, e até mesmo ao advogado defensor de seu caso. Maria começava se afastar, ela sabia o que acontecia, mas também calara-se. Jamais complicaria a situação de João. A mãe sem interferir visitava o filho, lavava a ele comida e roupas limpas, mas sem questionamentos, nem muitas palavras.
Os dias passavam, o frio da sela, a falta de sol, de Maria, deixava João desolado e perdido. Teve ele muitas chances de explicar seu crime, mas nunca o fez, redimia-se a falar sobre o assunto, deixando o mistério mais tenso. Nem mesmo o advogado podia fazer algo por ele, não se abrira nem mesmo com seu defensor, a situação dificultava, e o caso não se resolvia.
Passaram meses, e tudo se manteve como o princípio, a prisão, a visita da mãe, os inúmeros interrogatórios e o afastamento de Maria, que recusava visita-lo, o que o deixava cada vez pior. Uma manhã, o advogado chegou a sela de João e o disse que não teria mais tempo para mudar seu destino, que todas as chances já lhe tinham sido dadas e que ele não soubera aproveita-las, e aquilo chegava ao fim.
Fora dada a sentença. João seria julgado e condenado à morte. Nada mais poderia ser feito, já que ele estava certo de que não falaria o que o levou a tal crime. Chegando o dia de seu julgamento, sua mãe como de costume o visitara na prisão, e pela primeira vez, conversou com João sobre o acontecido, e questionou-o sobre, mas ele parecia tranqüilo e decidido em sua vontade. A mãe, aflita com a decisão do filho, pediu a Maria que conversasse com o irmão, ela recusava, mas com insistência da mãe o fez. No dia seguinte Maria logo que o dia amanhecia fora ao cárcere, na tentativa de fazer com que João mudasse de idéia, confessando o motivo do crime, que por mais que chocasse o juiz e o público, ao menos seria a verdade, a raiz de todo o problema. João ficou surpreso e bastante entusiasmado com a visita da irmã, porém irredutível ao que já havia tomado por decidido. Maria ficou muito frustrada e só neste momento se deu conta da gravidade do caso. Retirou-se, dando um prazo de 24 horas, para que João refletisse e pudesse talvez mudar de idéia, retornou ao lar, aliviada e cheia de esperança, conversou com a mãe, e a deixara tranqüila momentaneamente.
A noite passou, fez-se o dia, Maria voltou até o cárcere, encontrou João com um ar sarcástico e irredutível. Estavam a uma semana do julgamento, e João parecia bem frente a sua situação. Os dias foram passando calmamente, a angústia tomava conta de mãe e filha, que sem saber mais o que fazer, rezavam e pediam a Deus que iluminasse os pensamentos de João e o salvasse.
Chegou o dia, o julgamento começara, o público presente, estava cheio o local, Maria e sua mãe, estavam temerosas, mas nada mais podiam fazer, tudo se encontrava nas mãos de João, elas rezaram muito na última semana, e por conta disso tinham esperança de que tudo mudasse naquela manhã e que o destino de João fosse mudado, sendo ele salvo do inferno.
Começou o julgamento, exatamente 9 horas da manhã, as perguntas do juiz, o silêncio de João, a defesa do advogado, uma nova tentativa de arrancar-lhe a verdade, e sendo assim desvendado o crime, mas em vão, as perguntas do público que assistiam muito sérios e atentos ao julgamento. O pedido da mãe, que interferiu implorando que o filho falasse logo a verdade para que todo aquele pesadelo acabasse. Maria desesperada, também falou, João continuava calado, dizendo que se estava condenado, então devia pagar pelo que cometeu.
Fora dada a última sentença, sendo ele condenado a morte por enforcamento em praça pública, as 9 horas da manhã seguinte. Aquele dia para João, Maria e Anna fora infindável. As horas não passavam, só aumentando a agonia de todos. Até que enfim escureceu, as pessoas do vilarejo se recolheram, ninguém parecia acreditar na atitude inexplicável de João. Maria e sua mãe, tentavam dormir, porém não conseguiram, estavam perturbadas demais para consegui-lo.
O dia clareou, o relógio da torre marcava 7 horas, ainda haviam outras duas até o enforcamento.
Friamente Maria e sua mãe tomavam uma xícara de café, arrumaram-se e foram rumo a praça. Anna não acreditara naquilo tudo, chegando a passar mal, e tendo que ser levada ao hospital, Não tendo quem a levasse Maria acompanhou a mãe, que estava desacordada, até que fosse atendida e medicada, passavam das 9. Chegando á praça, o enforcamento de João já tivera acontecido, levando mãe e filha ao desespero. Maria largou e mãe e correu até a torre da cidade se jogando de lá, sentindo-se impotente e culpada pela morte do irmão.