Havia
pouco tempo que ela ficara viúva, ainda jovem, contava entre 30 e 40
anos. O falecido passava dos 60, a morte fora repentina e a pegara de
surpresa, coração. O homem andava pelo centro da cidade quando de
repente caíra ao chão, as pessoas se aproximaram rapidamente,
chamaram a ambulância, em seguida fora levado ao hospital, mas já
sem vida. Ele deixara com a viúva uma filha de 6 anos de idade. Ora,
que triste, assim ainda tão jovenzinha, sem ao menos entender o
significado da morte perder alguém tão especial.
O
funeral fora providenciado, e posteriormente a vida seguira. Ela não
trabalhava, logo, tinha que de forma legal conseguir um modo de ficar
com a pensão do marido, a modo de sustentar a si e a filha, visto
que ela era a segunda mulher do falecido, e com a primeira ele tivera
duas filhas.
Os
tramites foram agilizados, ela permanecera na casa do casal, em um
pequeno vilarejo ao sul da cidadezinha.
Os
dias foram passando, os meses também e a vida seguia. Certa noite,
em um bar da cidade, acompanhada de uma amiga, conhecera um homem,
este se aproximara se pedira licença para sentar-se a mesa e
acompanhar as damas. Pois, não haveria problema algum que o homem
desconhecido se sentasse e bebesse juntamente com as amigas. Passava
das 3 da madrugada, e no bar se encontravam apenas os 3, todos num
estado total de embriaguez, o dono do estabelecimento se aproximara
da mesa e pedira gentilmente que acertassem a conta e fossem embora,
pois tinham que fechar, que já havia passado do horário, ainda
tinham que limpar o bar e ir para casa descansar, e que todos os
funcionários estavam exaustos.
E
assim foi, o nobre cavalheiro se ofereceu para pagar a conta, entrou
e acertou tudo enquanto elas o aguardavam na mesa.
Perguntou
se estavam a pé ou de carros, responderam que a pé, ofereceu-lhes
carona, elas aceitaram. Levou primeiramente Leonor, a amiga de Joana,
em seguida deixara Joana em casa. A jovem viúva pediu que a deixasse
a alguns quarteirões de casa, explicou que ficara viúva
recentemente e não queria que a filha a visse com outro homem.
Perfeitamente compreensível, disse ele, perguntando-lhe se podia lhe
passar o número de telefone, Joana, pegou um papel e uma caneta na
bolsa, anotou e entregou ao homem e se despedira com um abraço.
Ao
chegar em casa, tentara não fazer barulho, para não acordar a
criança que dormia, fora ao banheiro, colocara o pijama, fora
lentamente até o quarto da menina, ela dormia pesadamente, então
fora até seu quarto e adormecera.
Na
manhã do domingo, acordaram tarde como de costume, tomaram o café
da manhã juntas, alimentaram os coelhos que ficavam em uma grande
gaiola nos fundos da casa, a mãe iniciara o almoço, e em seguida
foram visitar a irmã de Joana que mesmo que ainda jovem, estava
muito doente, em fase semi terminal.
Seguiram
até´a casa de Margô, irmã de Joana, a enferma estava sentada em
uma cadeira de balanço na frente de casa, com um eque a abanar a
face, era um dia quente, não tinha muito vento, observava
atentamente o céu, as nuvens e pensava na possibilidade de cair uma
chuva e refrescar.
Estava
tão distraída que não percebera a chegada de Joana e Clarice, a
sobrinha.
As
3 passaram a tarde ali, a observar o tempo, os pássaros a voarem
alto, as poucas pessoas que passavam na rua, era uma rua muito calma,
e por ali poucas pessoas circulavam. Margô morava em uma pequena
casa afastada do centro da cidade. Anoiteceu e Joana e Clarice se
despediram de Margô e seguiram para casa.
Ao
chegar em casa, alimentaram novamente os coelhos, tomaram banho,
jantaram, assistiram alguma coisa juntas na televisão, e cada uma
dirigira-se ao seu quarto.
Joana
estava quase adormecendo quando percebera o celular vibrar em cima do
criado-mudo ao lado da cama. Levantou, sentou na cama ainda com os
olhos semiabertos, e lia uma mensagem que recebera do cavalheiro da
noite anterior, convidando-a para um jantar. De momento ela não
respondeu, voltou a dormir e deixou para responder no dia seguinte,
quando estivesse realmente lúcida.
Na
manhã seguinte, segunda-feira, um turbilhão de coisas para fazer no
escritório, na hora do café achou um tempinho para responder a
mensagem da madrugada. Então marcaram para quarta-feira. Ela ficara
ansiosa, não queria contar à filha, achava ainda muito cedo para
falar deste assunto com a criança ainda de luto pela perda do pai.
A
quarta-feira chegou, com certo peso na consciência Joana pediu se
Leonor poderia ficar durante a noite com Clarice, a amiga aceitou e
então ficou tudo certo. Joana faltou a aula da faculdade para sair
com o distinto homem, mas já saia que provavelmente o horário
ultrapassaria às 23 horas que é quando as aulas terminam. E assim
foi, Leonardo, deixara Joana em casa passando das duas da madrugada,
Clarice já havia adormecido, tinha aula no dia seguinte logo cedo.
Leonor adormeceu lendo um livro no sofá da sala.
Joana
acordou Leonor, agradeceu pela mão e disse pra ir dormir no quarto
de visitas, pois ali no sofá acabaria com a sua coluna, e ela o fez.
Quinta-feira,
as 3 sentaram-se a mesa para tomar café, Clarice foi alimentar os
coelhos, em seguida pegou a mochila e foi para a aula. Em seguida
Leonor partiu também, e Joana estava acabada, cansada, com sono, mas
mesmo assim foi ao escritório, não queria dar bandeira e demonstrar
qualquer coisa de sua vida íntima aos colegas e chefia, afinal
estava viúva a tão pouco tempo e queria respeitar este período ao
menos diante dos olhos dos outros, sabe como é, as pessoas observam,
julgam, se metem, avaliam e isso não é legal, toda pessoa deve ter
o direito às suas escolhas, e rumar o caminho que considerar correto
e bom para si.
O
restante da semana seguiu normalmente, nada de extraordinário,
trabalho, família, nada de mais.
O
final de semana se aproximando e Leonardo convidou Joana para um
passeio,desta vez diferente, um passeio diurno, em meio a mata,
sentindo o cheiro da terra, o canto dos pássaros, sentir o que há
de mais vivo, a natureza. Fora um domingo divertido, ao final da
tarde ele a deixara nas proximidades de casa.
Ao
adentrar em casa a pequena Clarice questionou a mãe sobre seu
passeio, Joana não hesitou e falou a verdade à garota, disse que
havia conhecido um homem, e que este havia convidado-a para um
passeio, a pequena não falou mais nada a respeito, e a noite de
domingo deu-se por encerrada.
Inicia-se
a semana, e ao que tudo prece será monótona e não diferente das
demais. Inclusive passou rápida demais.
Era
já final de novembro, as pessoas se preparavam para o natal,
ornamentavam suas casas com piscas e papais-noéis, os trabalhadores
da prefeitura ornamentavam a cidade, iniciando pela pequena praça.
Era um clima agradável, todos gostavam desta data comemorativa, em
boa parte, a a população era católica.
Joana
ao chegar o final de semana contara com a ajuda da pequena Clarice e
então montaram a árvore de natal e colocaram alguns piscas
coloridos na frente da casa.
Furtivamente
ao entardecer d domingo, Leonardo estacionara o carro bem em frente à
casa de Joana, fora uma surpresa par ela e a garota. Apresentou-se a
Clarice, Joana o convidou para entrar, não ficou muito tempo, tinha
afazeres na chácara, onde vivia. A visita não passara de uma hora.
Assim
que Leonardo saiu, Clarice pergunto à mãe se estavam namorando,
Joana respondeu que não, que era um amigo, mas que estavam saindo
juntos e se conhecendo. Explicou à filha que o pai, falecido jamais
deixará de ser seu pai, mas que a vida continua, e que a mãe é
jovem e não pretende guardar luto para sempre. Até porque disse
ela, que luto a gente guarda no coração.
Mais
uma semana começava, os dias estavam mais quentes e mais longos, ah,
maldito horário de verão, calor, moscas, mosquitos, mas a gente não
tem o poder de mudar nada não é mesmo? Disse Joana para ela mesma.
Durante
os próximos dias não houve nada de anormal ou diferente, Joana ia
ao trabalho, algumas noites tinha aula de administração, Clarice ia
à escola pelas manhãs. Joana e Clarice visitavam a tia Margô. De
vez em quando Leonor as visitava, e assim os dias foram passando até
que o natal chegasse. Joana pertencia ao candomblé, a mesma religião
do falecido, logo, não tinha compromisso ou vontade de ir a um
destes cultos evangélicos ou missas católicas homenageando e
falando a respeito do natal. Ornamentava a árvore pelo simples fato
de agradar a filha, que gostava muito desta época do ano.
A
data comemorativa mais imponente do calendário passara e em uma
semana o ano novo seria comemorado.
Joana
e Clarice estavam em férias, então podiam curtir juntas algumas
coisas como ver alguns filmes, algumas leituras, passear, tomar
sorvete, brincar com os coelhos.
Ao
finalzinho de dezembro, exatamente no dia 31, Leonardo aparecer na
casa de Joana e as convidara para passarem a virada do ano com ele na
chácara. Disse à Clarice que lá haviam muitos animais e que ela
haveria de gostar, disse que poderiam chamar Leonor caso ela não
tivesse com quem passar o ano novo. Elas não tinha muito tempo para
pensar e decidir, então optaram por sim. Leonardo as advertiu de que
não iriam se arrepender.
Ele
as buscou por volta das 17 horas, as duas ajudaram nos preparativos
da ceia, Joana havia feito uma torta e a levara. Leonardo preparara a
carne, Joana fez a salada de batatas e o arroz, Cortou a cuca e o
pão. Leonardo colocou as sidras, cervejas e refrigerantes para
gelar.
Clarice
ajudou a colocar e servir a mesa, estava tudo pronto, eles já
degustavam da cerveja enquanto aguardavam a meia noite, enquanto isso
Clarice se divertia lá fora com os cães.
Meia
noite. Os fogos, Clarice encostou e apertou bem forte as mãos nos
ouvidos, os cães correram e se refugiaram no galpão, não durou
mais que 5 minutos, mas foram minutos intensos. Ah, finalmente
cessou.
Sentaram
-se à mesa e jantaram, Clarice logo sentia sono, então Leonardo
perguntou se elas não queriam passar o resto da noite ali e na manhã
seguinte depois do café da manhã colonial as levara de volta ao
lar. Tudo bem disse Clarice, bocejou e acompanhou Leonardo até o
quarto de hóspedes.
Leonardo
e Joana ficaram na varanda mais um tempo conversando, bebendo e
contemplando a noite.
Na
manhã seguinte, como o combinado, tomaram o café da manhã e
Leonardo as levara à cidade.
Soube-se
que daquele momento em diante Leonardo e Joana estavam emaranhados
numa relação confusa, mas com paixão. Passados alguns meses,
Leonardo mudou-se para a casa de Joana, assumira Clarice como sua
filha, e assim seguiu. Todos os dias ele ia para o sítio, tinha seus
afazeres por lá, as vezes Clarice ia junto e brincava com os
animais.
Com
o tempo a relação caíra no cotidiano, depois de alguns meses Joana
engravidara, para a alegria de todos. Os meses de gestação passaram
muito rápido, nasceu Clara, uma garotinha linda e saudável, pele
branquinha, cabelos e olhos negros, parecia uma boneca de porcelana.
Logo após o nascimento de Clara a irmã de Joana passara muito mal e
seu quadro de saúde se agravara consideravelmente, mas não fora
desta vez, ela era forte e continuou resistindo.
Os
anos foram se esvaindo e agora Clara tinha 4 anos e Clarice 10. Joana
havia concluído a faculdade de administração e iniciara uma
especialização, que duraria menos de 2 anos. Leonardo já não era
mais como antes, que atravessara a cidade para buscar a esposa as
23:00, e ela vinha então sempre ou sozinha ou com uma colega.
A
relação do casal começara a se conturbar devido a uma dívida
adquirida com uma senhora. A safra de trigo e a plantação não fora
boa naquele ano, Leonardo se endividara e se obrigara a tomar
emprestado algum dinheiro com uma senhora, ex vizinha da família.
Prometeu pagar em 6 meses com os juros justos.
Mas
a situação só piorava, Leonardo não conseguira quitar as dívidas
e os meses iam passando e em breve teria que devolver o dinheiro
emprestado.
Faltando
uma semana para completar os 6 meses cujo tempo fora combinado com a
senhora, Leonardo a procurara para tentar renegociar a dívida,
explicando sua situação que estava difícil, contudo, a senhora
fora categórica alegando que precisava do dinheiro, e que o tempo
expiraria em poucos dias e ela queria o dinheiro com o juro
combinado.
Leonardo
ficara desesperado, começou caminhar na sala da casa da velha, de um
lado para o outro, a velha seguia sentada em sua cadeira de balanço.
Então disse que voltaria na mesma semana e traria o dinheiro.
Passados
os dias combinados, Leonardo retornara à casa da senhora, no
entanto, desprovido do dinheiro. Bateu na porta, a velha abriu, ele
entrou, se sentou e iniciou todo um discurso de que não havia
conseguido o dinheiro e que não sabia o que fazer, que não tinha
como devolvê-la o empréstimo. A velha enfurecida, levantou-se da
cadeira e começou a xingá-lo, o ofendeu, ele estava de cabeça
baixa, apenas ouvindo, quando de repente em um ataque de fúria
puxara do bolso um pequeno canivete afiado e cortara a língua da
velha, o sangue começou escorrer e tingir o vestido de cor creme
florido da idosa, Leonardo desesperou-se e saiu correndo. A velha com
a língua não totalmente cortada conseguira ligar para a polícia
que chegara em seguida.
Leonardo
fora preso. Ele contava com um dinheiro de herança da primeira
mulher que falecera há alguns anos atrás, este dinheiro saiu
justamente quando Leonardo estava na cadeia. Fazia pouco mais de 2
anos que ele estava preso quando o juiz dera a sentença de parte da
herança da falecida mulher.
Como
ele estava tendo bom comportamento, passou a sair da prisão de dia
para trabalhar e retornava à noite para dormir. A relação com
Joana já não era mais a mesma, durante o período em que Leonardo
estivera preso ela teve alguns amantes, mas ele não sabia e ainda
confiava na esposa, em uma das visitas autorizou Joana a receber o
dinheiro da herança e que depositasse na conta dele.
Joana
fizera o que lhe fora pedido, no entanto não depositou na conta de
Leonardo, depositara em sua própria conta e passara a fazer uso do
dinheiro como se fosse seu.
Em
um dos dias que Leonardo saíra para trabalhar passara ao banco para
verificar sua conta e percebera que a esposa havia sido desonesta,
fingiu-se de desentendido, de que nada sabia e foi deixando o tempo
passar para ver até onde aquilo ia. Mas, precavido colocara dois
amigos de confiança para vigiá-la e relatar-lhe tudo o que se
passava com ela. As visitas dela ao presídio seguiam normalmente,
inclusive mentiu ao marido sobre o depósito, e ele fingiu acreditar.
Semanas
se passaram e os amigos detetives alertavam de que ela estava tendo
um caso com um homem desconhecido, que não era da cidade, disseram
que viam o homem buscando-a onde fazia já naquele momento o
mestrado, contaram que viam o carro dele estacionado em frente a casa
dela.
Leonardo
já estava enfurecido, e ainda não sabia o que iria fazer, enquanto
pensava, a recebia semanalmente na prisão, a tratava como se nada
soubesse, e pensava friamente o que faria com aquela situação.
Então
em uma noite de sexta-feira Joana voltava sozinha para casa, por
volta de 23:30, passara em frente ao hospital, que ficava no caminho
de casa, cumprimentara uma enfermeira que estava sentada em frente ao
hospital e falava ao celular.
A
noite seguiu, e Joana não chegara em casa, Clarice e Clara
desesperadas ligaram para a mãe e o celular estava desligado, ligou
para a tia, para a amiga, para a colega de Joana e por fim Clarice
ligou para a polícia alegando que a mãe chegava sempre entre 23 e
23 e meia em casa, e já passada das 2 da madrugada e ela não dera
nenhum sinal de vida.
Na
manhã de sábado começaram as buscas, os policiais da cidade eram
poucos, então chamaram policias da cidade vizinha. Fizeram uma busca
rigorosa, mas estavam tendo dificuldade em encontrar pistas ou a
própria desaparecida.
Findou-se
o sábado, a vizinha tomara conta das garotas enquanto a mãe estava
desaparecida e as consolava par que tivessem fé e esperança, que
nada de ruim haveria de ter acontecido.
No
domingo de manhã um casal que plantava em uma pequena lavoura, ainda
a cidade, em um morro que subia para uma casa bem ao alto, fora ver
sua plantação de milho como de costume e sentiram um cheiro de
carniça, corvos voando por ali, então ligaram para a polícia que
viera imediatamente e ali no matagal encontraram o corpo de Joana já
começando a se decompor . Em cidadezinhas as histórias se espalham
rapidamente e o local logo enchera de curiosos.
O
corpo da mulher estava mutilado, a cabeça havia sido cortada, havia
muitas marcas de faca por todo o corpo, seus olhos verdes escuros
estavam arregalados com semblante de espanto.
O
corpo fora encaminhado pra o IML, em seguida a cerimônia funerária.
Leonardo
fora o primeiro e único suspeito, mas não havia nada que o
incriminasse verdadeiramente pois estava preso, no entanto, era do
conhecimento da polícia que ele tinha comparsas que o fizeram por
ele.
As
meninas foram recolhidas por um orfanato até que atingissem a
maioridade, os coelhos foram doados, a casa fora fechada e o caso se
encerra assim, sem um desfecho justo.
A
morte vem para aqueles que não a temem. Quem não sabe com quem está
lidando corre o risco todos os dias de encontrá-la, a mulher vivera
e dormira incontáveis dias com o inimigo, seu futuro assassino. A
vida é mesmo assombrosa. E há quem diga que cada um tem o que
merece, que cada um colhe o que plantou, e Joana, definitivamente não
fizera uma boa plantação e sua colheira a arruinara.