sábado, 29 de agosto de 2015

Santo infiel



Ele era um homem esguio, de olhos melancólicos, aparência misteriosa, um semblante único, percebia se a profundidade de seus olhos a uma distância minuciosamente considerável. Sua mente era indecifrável, seus atos eram solenes e discretos. Sua estada na antiga e pequena cidade não contava mais de dez dias. A população o olhava com curiosidade, desejo de saber quem era o misterioso visitante da velha aldeia afastada da urbanização, que ainda cultivava hábitos peculiares e simplórios.

Ele caminhava todas as manhãs fazendo o mesmo trajeto, partia da pousada onde hospedara- se, ia até a venda ler o jornal com as longínquas notícias advindas da hostil civilização, pedia um café e seguia, andava mais, ia até um velho parque abandonado, sentava no balanço que rangia e denunciava o homem que ali repousava depois de uma longa jornada pela cidade habitada por camponeses que passam a vida a se dedicar a vida simples exigida pelo campo. Camponeses demasiadamente humildes e que tamanha ingenuidade não permitia perceber qualquer maldade entre os homens.

Alguns dias se passaram e por meio de um ato convocatório toda a população fora convidada a comparecer na missa do próximo sábado para que o novo sacerdote lhes fosse apresentado. Eis que a noite chegara e o misterioso cavalheiro era apresentado aos súditos. O povo ficara surpreso com a boa nova, o homem parecia sério o suficiente para assumir a igreja do local. No entanto continuava sendo um mistério para os aldeões que ali habitavam.

A missa fora celebrada já pelo novo pároco que se mostrava atencioso e dedicado para com seus novos fiéis, enfatizando a importância de ir à missa, doar parte de seu tempo para a casa divina, compartilhando com seus irmãos a fé e servindo a deus como ser supremo e necessário. E assim acontecera, os fiéis distantes começavam a se reaproximar da casa do senhor feito ovelhas obedientes ao seu pastor em um grande rebanho distribuído harmonicamente entre os verdes pastos.

E a velha aldeia aos poucos ia adquirindo uma nova aparência, nova textura e novo caráter. O clima ia se transformando, fora sacudida bruscamente pelo novo padre e este parece ter o poder de disseminar o amor e a benevolência entre os homens, banindo todo e qualquer ato maléfico e o desejo de fazê-lo.

Em um breve espaço temporal, o padre reativara a antiga casa que há séculos atrás abrigava moradores de rua e que com o passar dos anos fora desativada por falta de incentivo público e verbas para manter o recinto. Fizera uma horta comunitária, inserira em seus fieis a compaixão para com o próximo, fazendo com que as pessoas adquirissem novos hábitos que talvez por falta de atenção, egoísmo ou esquecimento não eram praticados antes, como doar aquilo que não lhes serve mais, almoços comunitários para os menos favorecidos, visita à casa de doentes. E assim a aldeia fora metamorfoseando positivamente em prol de pessoas com valores e ações diferentes. Pessoas humanas, com boas intenções, e libertas do egocentrismo e individualismo pregado nos grandes centros. O padre conhecera bem este tipo urbano individual e com o ego inflado, convivera com muitos quando ainda viva na cidade. Ele considerava que o homem só era puro quando suas ações não fossem para beneficiar somente a si, e quando agira com boa fé, desprendendo-se do ego.

Os meses foram passando, chegava à primavera, acabava o verão, os outonos se aproximavam, os anos e os invernos rigorosos também. E tudo fluía harmonicamente na aldeia com excessivo calor humano.

Na medida em que o tempo passava o jovem padre ia se familiarizando mais com os humildes camponeses, era convidado para almoços, jantares, festas de aniversários, datas comemorativas e outras confraternizações da comunidade.

O pároco desenvolvera forte amizade em especial com um camponês cujo casamento fora realizado e abençoado pelo padre. Este camponês era grato demasiadamente ao padre por ter realizado o seu casamento, por ter falado com o pai da noiva, que antes do ato consumado era contra a união do casal. Não fora uma tarefa fácil, pelo contrário, fora árdua, o pai da noiva estava decidido a afastá-la de seu pretendente, planejando mandar a jovem para a cidade, onde estudaria em um convento. No entanto o padre com paciência, dedicação, educação e boa retórica conseguira convencer o homem a permitir o casamento dos amantes. Depois da união, o padre tornara-se como um membro da família do jovem casal.

O relógio seguia seu tempo natural e a vida das pessoas seguia como um rio pacato. Durante um encontro na igreja, em um ato grotesco e infalível o melhor amigo do padre entrara no recinto sagrado atirando no padre que ministrava a missa. Foram dois tiros no peito do pároco que o deixaram estendido ao chão e o sangue começara a espalhar-se pela igreja atingindo os pés dos fieis que gritavam desesperadamente.

O homem gritara que justiça tinha sido feita, que o padre não iria mais trair a confiança de nenhum outro homem. Os fieis saíram da igreja a passos largos rumo à casa do homem, lá, ao chão encontraram sua jovem esposa perfurada e sangrando violentamente.