segunda-feira, 26 de maio de 2014

O tubarão que não vivia no mar



Ele velejava e o mar estava calmo, o céu tão límpido e as águas gélidas oceânicas cristalinas. Hoje era um dia especial para o jovem Jacob, ele se encontrava em estado de euforia profunda, dentro de cinco dias pisaria em chão firme e finalmente encontraria sua amada que não via há alguns meses. Ele velejava por meses até que retornasse para casa, e carregava consigo um foto da amada Caterine, a quem havia jurado amor eterno.
Contemplava a pequena foto em preto e branco, já meio velha e amassada com tamanho zelo como se fosse um verdadeiro tesouro.
Jacob percorria pelo mar como um lobo solitário, por meses não mantinha contato com ninguém, privado de calor e contato humano, Jacob apegava-se a natureza, contemplava a imensidão de água bem diante de seus olhos tão claros feitos a água do imenso oceano. Apreciava o sol refletindo, porém não aquecendo as geladas águas profundas do pacífico, por vezes via golfinhos saltitantes, sempre que podia mergulhava e entrava em transe em meio ao mar violento, mas que com ele gentil. Jacob transformara-se em um verdadeiro amante da natureza e poeta iluminado, em horários de folga, além de apreciar o mundo e mergulhar também escrevia cartas à sua amada, cartas estas que jamais enviaria e sim as entregaria pessoalmente, causando na doce Caterine amor profundo e admiração.
Dias e noites e o desejo de tocar Caterine o consumiam em devaneios lúcidos. Jacob ansiava pelo término do velejo e o encontro com a amada, mas sabia que tinha que ter paciência, o dia aproximava-se, e para quem já estava há tanto tempo distante, o que significava mais quatro dias refletia o poeta do mar. A noite caiu, o dia amanheceu, e a ansiedade invadia a mente do sonhador.
Naquela manhã Jacob aventurara-se nas águas pacíficas e mergulhara na imensidão marítima. Fez um dia quente e agradável e ele não tinha muito que fazer, foi até as profundezas do oceano onde pode contemplar toda a beleza nele guardada. Naquele dia especificamente viu polvos dançando, raias mais radiantes do que nunca, viu ao longe uma baleia trafegando lentamente, avistou também lindos peixes coloridos e pensou em toda a beleza contida nas profundezas do mar vista por poucos e sentiu-se pleno em sua contemplação.
Mas em um momento Jacob manteve-se com os olhos vidrados e direcionados para um tubarão, ficou ao longe observando-o, o tubarão parecia inofensivo, aos poucos Jacob fora aproximando-se do grande peixe de águas salgadas. Na medida que se aproximava, percebera o quão doce o tal tubarão poderia ser. Mas algo o deixava intrigado, o grande peixe oceânico vertia em lágrimas, e Jacob jamais presenciara algo assim, aquilo para ele era demasiadamente espantoso. Chegou o mais perto possível e acariciou o monstro do mar, e este assim permitindo, encostou-se em Jacob, causando uma sensação única e naquele momento o poeta do mar sensibilizou-se com a cena e não conseguia crer naquilo. O grande tubarão seguia derramando lágrimas que salgavam as águas pacíficas. Depois de um longo tempo ali na mesma posição, Jacob subira e a cena permanecia em sua mente. Pensou ele na maldade humana para com os tubarões, pensou na possibilidade destes possuírem sentimentos e dores, assim como qualquer outro ser racional, e pensou também que todos carregam suas feridas consigo, algumas cicatrizam, e outras se rasgam, trazendo ainda mais sofrimento.
Os dias passaram, e finalmente Jacob avistara a terra e a alegria o dominava. O jovem estava há um passo de sua amada, sentia-se mais pleno do que nunca, contudo o grande peixe do mar não saia de seus pensamentos, e ele acreditava na veracidade do que presenciara.
Agora com os pés no cais, Jacob começara a sentir o aroma de casa, de Caterine, e de tudo que deixara há alguns meses quando partira mar adentro. Desceu do navio e seguiu andando pela calçada suja do velho porto abandonado rumo à Caterine. Andou assim fitando as folhas secas caídas ao chão, ele achava o outono a estação mais bela e mais romântica, nenhum sonhador idealista poderia ter como preferida outra estação do ano que não fosse o outono. Recolhera algumas folhas avermelhadas e colocara junto de seus pertences que carregava junto consigo.
Até que enfim Jacob chegara em casa, suspirara com intensidade, olhara as cartas, ajeitara o cabelo, e batera à porta.
A casa encontrava-se em estado dormente, o silêncio era pleno. Jacob avistara o gato do vizinho no quintal da modesta casa rústica, feita de pedras e coberta por musgos. O gato miara e veio até Jacob, então ele acariciou o animal e balbuciou onde poderia estar Caterine. Batera novamente, e resolvera sentar na escada em frente a casa, visto que Jacob não possuía chaves da casa, Caterine estava sempre em casa, a jovem quase nunca via a luz do dia, saia se necessário, tinha como companheiro um cão e de mais nada precisava. A jovem também não tinha família, tampouco amigos, era tão solitária no cerne de seu lar tão quanto Jacob em águas infinitas.
Algumas horas passaram, Jacob avistou um dos poucos moradores da pequena rua e aproximou-se do homem perguntado se havia visto Caterine, o homem respondeu que não, nunca a via. Então Jacob pensou que a amada pudesse ter caído em sono profundo e voltou à velha casa e com um chute derrubara a porta da casa, entrou e nada viu. Caminhara até o quarto que estava escuro, acendera a luz e encontrara Caterine caída ao chão, estendida feito um velho tapete abandonado. O cão estava do lado em uma posição semelhantemente igual à de Caterine. Ao lado da jovem uma arma, Jacob a levantara e o sangue escorrera novamente ao chão, e o fétido aroma invadira o recinto apodrecendo assim todos os sonhos de Jacob que naquele momento sentira-se igual ao tubarão que vertia em lágrimas no oceano. Triste e solitário Jacob largou lentamente o corpo de Caterine, abraçou-a fortemente, afagou o cão e deu um tiro mortal em seu crânio.