quarta-feira, 31 de maio de 2017

A velha e os gatos

Capítulo I: A casa
A casa era grande e demasiadamente velha, a pintura desbotada, e algumas madeiras davam a impressão de que poderiam cair a qualquer momento, ficava perto de um velho pântano, de onde se podia ouvir o coaxar dos sapos, de um lado uma plantação de milho e do outro um jardim colorido com as mais diversas plantas e flores. Era poético de ser ver, tinha uma beleza exótica, lá vivia a velha Emília, ela contava pouco mais de 70 anos, ali nasceu, cresceu, casou, procriou, os filhos foram embora, o marido faleceu e lá, ela permaneceu. A vida em outras épocas já fora mais animada, ah, lembrava ela sentada na cadeira de balanço que rangia na velha área de madeira.
Capítulo II: A infância
A infância, os irmãos, os pais, aqueles almoços de domingo, a mãe assando os pães no forno de barro que havia nos fundos da casa, aqueles dias de calor e vento, e as roupas balançando no enorme varal, que, necessário devido ao número de moradores. Dos 6 irmãos, Emília fora a última a se casa. Os outros foram um a um partindo, sem olhar para trás, e raramente apareciam, em especial vinham em algumas datas comemorativas, traziam seus filhos e era aquela festa, a criançada no balanço da figueira, correndo atrás dos patos, andando a cavalo, jogavam laranjas para Gaspar, o cão fiel e amoroso da família. O dia findava e eles retornavam a suas vidas, a seus lares e a monotonia seguia calmamente como um rio manso.
Emília era a caçula, e fazia questão de ficar e tomar conta dos pais que iam rapidamente envelhecendo.
Capítulo III: as memórias
Era um hábito dela sentar-se na cadeira de balanço e recordar o passado, por vezes entrava, ia até um dos quartos, pegava as caixas com fotografias e revivia os momentos como se fizessem parte do presente. Emília guardava em sua ainda saudável memória todos os momentos vividos ali.
Capítulo IV: Solidão ou solitude?
Não há como dizer se ela era feliz sozinha, ou se sentia falta da família, de amigos ou vizinhos. Os últimos só eram encontrados com pelo menos 10 quilômetros de distância. Ali era uma região de fazendas, onde muitas delas foram herdadas e abandonadas, ou seus proprietários as desativavam e as casas iam ruindo com o passar dos anos.
Emília sempre teve muito apego àquele lugar, foi ali que viveu toda a sua vida. Não conhecia outras realidades, tampouco se interessava em conhecer. Ali era o seu mundo, o seu paraíso perfeito. Uma vez por mês tomava o trem que passava numa estação das proximidades, ia até a cidade, e depois de tudo resolvido retornava.
Assim sempre fora, é e será. Os filhos não a visitavam com muita frequência. Dos 4, o caçula ainda era o que mais vinha visitar a mãe.
Ficava muito contente quando os filhos vinham, e com eles, os netinhos, todos ainda crianças, alegravam a velha casa, traziam vida, corriam no jardim, colhiam cenouras frescas na horta, e a vovó os esperava com biscoitos e outras guloseimas coisas que em geral crianças adoram.
Capítulo V: A lucidez e boa disposição
Os filhos ficavam impressionados quando apareciam ao ver que, apesar da decadência da casa, a mãe mantinha tudo como fora no passado, a limpeza, os vasos de flores espalhados nos cômodos da casa, o jardim sempre vivo e colorido, a horta cheia de legumes e hortaliças, e ainda cultivava o milho, isso não era para qualquer um, a velha era realmente forte. Sempre muito feminina e delicada, com seus adoráveis vestidos florais, um aventalzinho de cor, um chapéu de palha na cabeça, afinal, como a lida era no campo tinha que se proteger do sol ardente, em geral a região era sempre mais gélida e úmida, mas nos verões por vezes, os dias eram escaldantes a ponto de derreter picolé em minutos.
Capítulo VI: O amor e respeito para com todos os animais
Emília tinha algumas vacas, de onde usufruía somente o leite, eram 3 ou 4 vaquinhas, cada uma com um nome próprio, a velha conversava com elas enquanto carinhosamente tirava-lhes o leite. As poucas galinhas viviam soltas a catar bichinhos, delas, somente os ovos, como estas vaquinhas e galinhas eram felizes, soltas, vistas e tratadas por Emília como seres vivos, não meros objetos “cultivados” rumo a carnificina. Aliás, peculiar, muito peculiar, visto que as fazendas das redondezas criavam gado para o abate, porcos e galinhas também tinham o mesmo fim.
Emília amava e respeitava muitos os seus animais e acreditava que eles mereciam o mesmo tratamento que qualquer outro ser vivo.
Capítulo VII: Os bichanos
E o que falar dos gatos da velha, Perdia-se a conta ao ver no final do dia aquela quantidade de bichanos, todos em volta esperando o leite fresco das vacas. Devia passar dos 20, eram muitos, e assim como Emília, não comiam carne, comiam o mesmo que ela e adoravam leite. Quando um animal adoecia, Emília tinha de pegar o trem e ir até a cidade chamar o veterinário, que vinha imediatamente reparar os animais doentes.
E assim vivam em harmonia, o meio ambiente, tudo que ali habitava, vivia bem, com qualidade de vida e a paz reinava.
Estes eram os verdadeiros companheiros, os que sentavam no colo enquanto tricotava u lia algo, espalhavam-se pelos cômodos, esticavam-se a tirar longas sonecas nos sofás da casa, dormia com a velhota na cama, e aí sem um ficasse para o lado de fora do quarto, miavam até que Emília abrisse a porta.
Emília os cumprimentava pela manhã com um bom dia e um afago na cabeça, quando ia rumo ao milharal plantar ou colher os milhos, aquela linda e adorável de gatos a acompanhavam alegremente, esfregando suas caudas em seu vestido, por vezes Emília tinha que lhes chamar a atenção, pois a acariciavam tanto que acabavam por atrapalhar o trabalho.
Quando ia para o jardim, o mesmo acontecia, se esfregavam e cheiravam as flores, quando ela retornava para dentro de casa eles a seguiam rapidamente, como que, como medo de perdê-la de vista.
Capítulo VIII: A viuvez
O velho falecido morrera já há 10 anos, adquirira tuberculose, sabe como é, se sentia um garotão, não cuidava da saúde, em épocas de frio, com a umidade e as chuvas, vestia-se em poucos trajes, Emília sempre o alertava, mas o velho não lhe dava ouvidos, pensava que nunca ia adoecer, muito menos morrer, pensava ele que seria eterno.
Fora um choque para a família, tudo acontecera tão rapidamente, que não nem tempo de levar o velho ao hospital, fazer exames e internar para um tratamento. Até hoje Emília pensava, se o velho não fosse tão teimoso ainda estaria vivo. Mas, com o tempo tudo se cura, as feridas se fecham e a vida segue, rumando para lá e para cá. Como ela própria dizia, viver é navegar em um rio onde não se pode medir a profundeza, não tem como saber sem virá uma tempestade de surpresa, ou se podemos ser atacados por selvagens canibais, ela assim se referia à vida como uma caixinha melindrosa e misteriosa.
Capítulo IX: Os rebentos
Emília apesar do pouco contato com a prole, os amava muito e era demasiadamente feliz com os filhos.
Dos 4 filhos, 2 deles viviam muito distante, poderia se dizer que do outro lado do país e os outros 2 não tão distantes, porém nem tão perto, o caçula, que era o que mais aparecia, morava a aproximadamente 500 quilômetros. E até mesmo este custava a dar as caras.
De vez em quando, uma correspondência daqui, dali, ela ficava toda feliz e respondia no mesmo dia. A relação mãe e filhos era boa, porém sem muito contato físico, visto que ada um casara, formara família e abandonara a vida no pequeno vilarejo.
Capítulo X: O natal, última reunião em família
No dia 24 de dezembro daquele ano, os filhos da velha prepararam uma boa surpresa para a mãe, combinaram entre si que todos apareceriam na noite de natal, e assim foi.
Contava pouco depois das 17 horas, Emília como de costume, tirara o leite das vacas, alimentara os gatos, fora até a horta pegar algumas hortaliças e entrara para tomar um banho, naquela noite estrava um tanto frio, e ela não queria correr o risco de pegar um resfriado.
Banhou-se e fez um fogo na lareira, e começara preparar a ceia, pôs à mesa pães, uma deliciosa sopa de vegetais e abrira uma garrafa de vinho, fora até a sala e acenderá as luzes da árvore natalina, que era sagrada, passasse sozinha ou em companhia sempre a montava.
Quando saiu à área para ligar as luzes coloridas que contornavam o oitão da casa, vira um carro chegando, olhou atenta e esperou o carro se aproximar, dele desembarcaram o caçula, a esposa e o neto de 4 anos. Correu e os abraçou saudosamente, convidando-os para entrar, pensou ela que só havia preparado uma sopa de legumes, mas daria um jeito de agradá-los. Emília era esperta e ágil, logo logo prepararia um jantar especial. O filho alertou-a de que não se preocupasse, pois havia trazido alimento para a ceia.
Entraram, levaram as malas até o quarto dos fundos, o garoto fora correr lá fora, rumo ao balanço da centenária figueira e os pais assim que levaram as malas para o quarto, voltaram para o quarto e pegaram a comida ara a ceia, para a surpresa de Emília trouxeram uma grande variedade de saladas e um peru assado. Tudo bem, matutara ela, eles vêm tão pouco e não é porque não me alimento de cadáveres que eles não podem usufruir o mesmo.
Logo em seguida mais 2 carros, a velha saíra para fora, eram os 2 filhos do meio com suas esposas e a filha de um dos casais. Todos se abraçaram alegremente e foram entrando, a mãe disse que um dos casais poderia se instalar no quarto ao lado do corredor e o outro no quarto do sótão.
A netinha com pouco mais da idade do neto do caçula tinha 7 anos, depois de dar um apertado abraço na avó fora ao balanço com o primo mais novo.
A mãe preocupada com a comida, se ia alimentar a todos, começara um refogado com todo o tipo de legumes, foi quando um dos filhos disse que haviam trazido comida, e foram desempacotando uma parte de um porco assado, arroz colorido e vinhos. Que fazer pensou ela, ao menos fome não irão passar.
Passados 1 hora, por volta das 20 horas, o quarto filho chegou sozinho, a mãe não sabia se ficara mais surpresa pela reunião de todos os filhos ou pelo filho ter chegado sozinho. Sem alardes desceu do carro trazendo a sobremesa na mão, era uma torta de maçãs, e com o passar do tempo, a mãe sem investigar deixou que o filho contasse o que havia acontecido com a esposa, pois chegara só, algo incomum, visto que costumavam viajar sempre juntos.
Pouco antes do jantar ele falou do divórcio, que surpreendera a todos e mantiveram-se discretos, respeitando-o.
Depois do jantar, todos se dirigiram à espaçosa sala, bebiam vinho, conversavam e riam, as crianças brincavam com os felinos, já de madrugada cada um foi se dirigindo aos aposentos.
Na manhã seguinte Emília os aguardava com a mesa farta para o café da manhã, ah, que momento especial e feliz pensava ela. Levantaram tarde, tomaram o café, uma manhã agradável, depois foram tomar sol e caminhar por entre o milho e o jardim. Fizeram questão de elogiar a boa disposição e cuidados da mãe para com tudo.
Antes do almoço, todos foram arrumando as malas e partindo, ficara a alegria, as lembranças e o doce vazio da partida da pequena família.
Mas a vida é assim mesmo falava ela sozinha, há a hora de chegar, de permanecer e partir.
Capítulo XI: A saudade
Emília, como nunca antes havia sentido esta sensação de saudade, de perca, de ausência, naquela manhã em especial sentira-se triste e solitária, a velha era forte e fora vista poucas vezes chorando, mas aquela manhã era diferente, nem ela sabia explicar o que tomava conta de si. Sentou-se na cadeira de balanço, as lágrimas escorriam e ela as secava com o avental.
Depois de um longo tempo, ali, intacta, levantara-se e fora tomar um banho.
As horas foram passando e Emília não saia do banheiro, algo poderia ter acontecido, poderia ter passado mal, desmaiado ou adormecido na banheira com água quentinha. Talvez fosse o desejo dela permanecer lá por bastante tempo, como uma forma de dar leveza na alma. Porém, aquela situação fugia do habitual.
Capítulo XII:
Durante a madrugada Emília saíra atônita e confusa do banheiro, parecia ter perdido os sentidos, com os olhos embaçados caminhara lentamente e meio cambaleando até o quarto, secou-se e vestira um pijama, deitara-se lentamente na cama, cobriu-se com cobertas quentes e adormecera.
A porta ficara semiaberta e rangendo a cada gato que adentrava ao aposento, aos poucos, todos os seus felinos entraram e foram se acomodando ao lado da velha, todos dormiam um sono inabalável.
Capítulo XIII: A morte e o canibalismo
Aquela era a cena mais bela que se podia dizer, se não fosse o fatídico e aterrorizante acontecimento que assombrou aquele casarão.
Aproximadamente 1 mês depois do natal, o filho mais velho de Emília veio até a casa da mãe a fim de passar uns tempos e dar paz à mente, visto que havia passado por um momento doloroso, o divórcio, ali parecia um bom lugar para acalantar o coração junto com a mãe e toda a natureza que a cerca.
Chegou, e encontrou as lâmpadas de natal ligadas, isto já passados quase 30 dias das festas natalinas, a porta e janelas fechadas. Bateu e não fora recebido por ninguém, pensara ele se talvez a mãe tivesse viajado, ou id o à cidade, mas as luzes coloridas o preocuparam. Foi quando arrombou a porta e por suas narinas foram invadidas por um terrível cheiro, aquilo cheira podre, o aroma era de morte. Com certo receio fora indo rumo ao quarto da velha mãe, abriu a porta que se encontrava semiaberta e se deparou com aquela cena horripilante, cuja qual jamais esquecera. Os restos mortais da mãe espalhados pela cama, já não possuía mais forma, nem seus trajes podiam ser reconhecidos. A velha fora devorada pelos amigos felinos e posteriormente, já sem alimento, os bichanos cometeram canibalismo, alimentando-se uns dos outros.
Os restos mortais da mãe e dos gatos foram enterrados no jardim que ela cuidara e cultivara a vida toda com amor do mundo. O filho enlouquecera e fora internado para tratamento psiquiátrico, os médicos diziam que o linguajar eram miados impossíveis de se compreender.
Com o passar do tempo os outros filhos venderam o casarão para uma família adoradora de gatos, com eles se mudaram 13 felinos.



segunda-feira, 29 de maio de 2017

Entre o real e o imaginário

Amanhecera, ela sem saber como se encontrava despida ao chão gelado. Lá fora contavam temperaturas abaixo de zero graus. Levantou, sentiu-se tonta e tentou chegar até o banheiro, sentou-se no vaso e lá permaneceu com a cabeça baixa, refletia a vida ali mesmo, sem roupas, uma dor de cabeça estonteante. Depois de um bom tempo tomara uma ducha quente e saíra dali, vestira um roupão, fizera um chá e, sentara-se em frente ao televisor, procurou algo para ver, nada de interessante, desligou-o e fora rumo à cama. Lá não conseguira permanecer por mais de 10 minutos, se virara de um lado para o outro, era como se houvesse pregos na cama, os empurrando dali rumo ao chão.
A lucidez inexistia, levantara e caminhara pela casa, de um lado a outro, lá fora chovia, o cinza se fazia presente na paisagem urbana. Do lado de fora, pela janela dos fundos, podia-se ver o vento dançando, o vento assoviando.
Deitou-se no sofá e adormecera, ali, com frio e um certo vazio tomando conta do espaço por ela ocupado, sonhara que estava em um penhasco, no momento em que rolaria para baixo acordara assustada, e percebera que tinha sido apenas um sonho. Não demorou muito para que caísse em sono profundo.
O mundo fantasioso e lírico tomara conta de sua mente novamente, o sonho, desta vez mais agressivo que o anterior, dormia ao chão, ao lado dela, se encontravam diversas facas, de vários tamanhos, cores e navalhas, umas mais cortantes, outras que não ofereciam muito perigo, as facas miravam em sua direção como se tivessem vivas, começou rastejar pelo assoalho, elas vinham em sua direção como se ela fosse o alvo único e perfeito, de repente as facas começavam a falar, inicialmente ela não compreendia nada.
Minutos depois entendera que as facas desejavam agredi-la, ela não tinha forças para levantar e fugir, parecia uma serpente congelada, se movendo lentamente.
Fora encurralada em uma parede, sem mais ter para onde fugir, uma a uma fora a cortando lentamente, o sangue escorria, e ela não tinha forças nem mesmo para gritar, e com aquele vento lá fora, quem a ouviria?
Elas deslizavam pelo seu corpo, desenhando em cada fragmento dele. Percorriam como se fosse em câmera lenta, a dor era ainda suportável, e isto durou um tempo, tempo suficiente para banha lá em um líquido vermelho e gosmento.
Por fim, as facas maiores e mais afiadas começaram a cortá-la em partes, no final restara o tronco, todos os membros decepados e ao lado a cabeça mentalizando o porquê.
Seu inconsciente respondera que era um desejo oculto, e ela finalmente morrera.

Acordara e percebera que todos os seus membros se encontravam acoplados. Fora um pesadelo dos mais terríveis que tivera. Permanecera em silêncio, ali, deitada ao chão, a campainha tocara....

quarta-feira, 24 de maio de 2017

O misterioso visitante

Há muito tempo estava anunciada a chegada dele, foi esperado, aguardado com tanto temor, e depois de tanta demora, esquecido.Numa tarde de domingo, fora anunciado um pequeno animal inofensivo e indefeso, na rua, passando frio e fome, sendo apedrejado e apanhando de outros arruaceiros. Comovidos, um jovem casal se locomovera até o local e com muita dificuldade o capturaram, não fora uma tarefa fácil, o bicho era deliberadamente agressivo, assustado, e seus pelos curtos se ouriçavam com a aproximação de qualquer um que pudesse querer capturá-lo. Algumas horas depois e com um esforço razoável, finalmente o engaiolaram e levaram para a nova casa. O ser peludo berrara o caminho inteiro, parecia estar sendo apunhalado e espancado dentro do automóvel. Seus gritos eram estridentes, as pessoas que pela rua caminhavam olhavam com pavor para dentro daquele veículo, o próprio parecia sentir desespero tamanho era o pânico do animal.Até que enfim chegaram em casa, aconteceu o esperado, o animal tentara escapar de todas as formas possíveis, se bateu contra as janelas de vidro, pulou nas pareceu, arremessou seu pequenino corpo alto, dava medo de ver a cena, mas calma, este pequeno está horrorizado, e ninguém o poderia julgar, pois ninguém conhecera o seu passado, o seu sofrimento, o seu abandono e as suas cicatrizes.Escondeu-se ao lugar mais provável, em cima da máquina de lavar, próximo a uma velha basculante emperrada, onde com os olhos ele parecia pensar conseguir abrir e escapar. Até tentou, mas era impossível, as basculantes eram realmente enferrujadas e emperradas, e os moradores tinham dificuldade em manuseá-la, imagina se um ser tão pequeno e desprovido de uma força capaz de abri-la, conseguiria dar seus desfecho em fuga.Aquela noite, fora bastante turbulenta, os demais bichanos ficaram arredios e com medo, o visitante se encontrava muito assustado e disseminando o mesmo pelo novo lar. Todavia, sobreviveram todos, um novo dia amanhecera, tudo seguia do mesmo jeito, muita paciência, perseverança e compreensão. Em breve a paz voltaria a reinar, era só esperar o momento certo.Dias se passaram, o ser arisco permanecia na inércia. Completou uma semana e ele migrou para debaixo da cama, lá era o seu lugar predileto, o esconderijo perfeito, o inalcançável por qualquer um que pudesse vir a querer perturbá-lo, isso na sua minúscula compreensão felina.Passados mais alguns dias, ele passara a dormir na cama do casal, começara lentamente se mostrar doce e amigável, seriam-lhe a comida ali mesmo, no quarto, para evitar transtornos. Ele fora se moldando aos hábitos dos demais animais do recinto, e começou sair mais do quarto, ainda tinha medo de ir ao banheiro, beber água e se alimentar fora do quanto, mas tinha de enfrentar o inimigo, o inimigo era o medo que sentia. Tentara interagir com os outros quatro animais, mas teve sucesso apenas com um deles que o apoiara e o recebera bem desde que chegara à casa, as fêmeas o expulsavam de perto. Mas era uma questão temporal, e tudo fluiria naturalmente e bem.Quando completou um mês de estadia, agora de visitante, passara a permanente, visto que fora detectado que já era um ancião, e o casal se comovera e decidira ficar com o bichano, visto que era como um bibelô vivo, pouco se manifestava, quase nunca miava, se banhava, e era tranquilo, e, o que mais pesava, quem ficaria com um velho gato recolhido das ruas? Estava definitivamente decidido, Churchill era agora oficialmente da família.Os elogios começaram aumentar, os carinhos, a liberdade em passar dias e noites na cama, como um rei, um soberano que mal chegara e começa a governar o local. Os demais felinos indignados iniciaram uma sútil batalha contra o então nobre rei. Aquele que outrora fora um bom anfitrião se revoltara ao ouvir os elogios ao novo morador da casa, Churchill fora encontrado na rua, no entanto, tinha classe, educação e delicadeza, caprichoso e era extremamente gentil com os novos donos. O gato branco mudara repentinamente o comportamento dando início a uma dura batalha, e aquilo parecia ser o princípio de um inferno sem fogo. Mas o que o gato branco não imaginava era ao ataque furioso de Churchill, a maldição estava por começar, Churchill começara a rebater aos ataques de fúria do gato branco, era como se uma luta entre o bem e o mal fosse travada. As energias passaram a acinzentar-se, o reconto tornara-se pesado. Os gatos brigavam entre si, a discórdia estava instalada ali.O casal não sabia o que fazer, com eles, o gato cinza era amável, e eles percebiam a agressividade do gato branco para com o cinza. O que eles não sonhavam é que o gato cinza era o demônio, que viera para destruir aquela família de gatos, antes harmoniosa, por fim, um a um desapareceu misteriosamente, só restara Churchill, o demônio invencível. E lá permaneceu sendo o único e adorado bichano da casa.