domingo, 29 de abril de 2012

João e Maria Dark Side

Era madrugada do mês de abril de 1924, fazia muito frio. A grama congelada, os animais recolhidos para se protegerem. Neste exato momento Anna começara sentir as dores do parto, caminhava pela casa, fez um chá quente, acalmou-se. Mas um tempo depois a dor voltava e parecia não cessar. Então percebera que devia chamar a parteira, para que viesse lhe auxiliar no nascimento de seu primeiro filho. Havia neve na calçada, os campos eram brancos, o frio intenso, mas não tinha outra saída senão chamá-la, a criança dava sinal de que nasceria em breve. Anna foi até lá, não tinha a quem pedir que o fosse, então vagarosamente atravessou a nevasca, enfrentou o gelo, e seguiu até o rumo desejado.
Chegando a casa de Matilde, assim se chamava a parteira, Anna bateu e com um alívio, conseguira sorrir, nem ela acreditava que chegaria lá. Dulce ao ouvir aquela batida ofegante, sentira que alguém estava precisando dela naquele momento, levantou rapidamente, agasalhou-se, prendeu o cabelo e foi em direção à porta.
Abriu-a, era Anna, estava assustada e feliz, ansiosa e aliviada. Matilde convidou-a para entrar, fazia um frio imenso na rua, ela entrou, assim que adentrou a casa de Matilde, Anna começava sentir dores fortes, seu filho, um pouco prematuro, estava chegando.Sem passar muito tempo, Matilde foi preparando o necessário para o parto. As crianças chegaram, primeiro veio o menino, quando Matilde pegou em suas mãos o pequeno, e entregou-o a mãe, Anna e Matilde se surpreenderam, não sabiam que ali havia mais uma criança. Sim, depois do garoto, fora tirado do corpo sangrento de Anna uma linda menina, de olhos escuros e pele clara. Tivera por sua surpresa gêmeos.
Os anos passaram, e as crianças estavam crescidas, nunca se desgrudavam, tinham uma ligação absurda, a mãe saia todos os dias pra trabalhar, e eles ficavam só em casa. Ainda sem o compromisso da escola, aos 4 anos de idade, Maria e João eram muito criativos, brincavam, inventavam o que fazer com o tempo que tinham enquanto a mãe se mantinha fora de casa. A imagem materna lhes era tudo o que tinham, quanto ao pai a mãe nunca falara dele, era como se fosse um fantasma, crescendo eles então sem a imagem paterna. Os demais parentes, vivam longe, a mãe isolava-se num mundo afastado dos familiares e das demais pessoas. Anna tinha problemas em manter relações próximas, e preferia educar seus filhos assim. As crianças nada achavam de estranho, era o que lhes era oferecido desde o principio, não fazia falta a presença de outros seres, sem contar que vivam cercados de animais, tinham uma vida saudável, ligados à natureza, e assim se davam por satisfeitos.
Passou mais um tempo, e Maria e João tiveram de começar ir à escola, de início, era algo novo, muito diferente do que viveram até então. Mas com o passar dos dias, meses, a professora percebia uma diferença nas crianças. Elas eram herméticas, e não se interessavam em fazer amizade com os colegas, apenas os dois mantinham um contato íntimo e amigável. Numa dessas reuniões de pais, a professora comentou com a mãe, este fato, e a questionou a respeito, Anna apenas tinha a dizer que eles além de gêmeos, eram muito ligados desde que nasceram foi desta maneira, e que talvez realmente sentissem dificuldade em se relacionar, pois cresceram sozinhos numa espécie de mundo mágico inventado por eles. Mas enfatizava que eram normais, e que nunca tivera problemas com as crianças.
O ano terminou, as crianças permaneceram na escola, mas daquele jeito que iniciaram, somente os dois em um canto isolados da turma. Mas deu certo, do jeito deles.E assim seguiu até a adolescência, nada havia mudado, era como se os anos tivessem tão congelados quanto o clima em que viveram suas ternas e doces infâncias que o tempo lhes tirara como um sopro no vácuo.
Quando Maria e João estavam entrando no ensino médio, novos ventos sopravam aquelas vidas pacatas e harmoniosas, começando discórdia entre eles, pelo motivo de que Maria com uma beleza e personalidade singulares, atraia em muito os meninos da escola. Ela chamava atenção por ser enigmática, era quieta, já sociabilizada, mas de poucas palavras, muito observadora e curiosa. Isso despertou o interesse dos garotos, e o ódio de João, que sentia perder sua irmã, como num piscar de olhos, mas ele não desgrudava dela um segundo sequer.
O medo de perder Maria se tornou obsessivo, chegando fazer com que João perdesse noites de sono pensando em como seriam os dias seguintes e o futuro.A mãe pouco participava da vida dos filhos, deu-lhes boa educação, afeto, nada lhes faltavam, mas deixava os livres em suas escolhas e no modo como viam e percebiam o mundo. Talvez um jeito errôneo em libertar os filhos, mal sabia ela o que criara em sua casa.
Um dia num súbito descontrolado, João agride um colega, por demonstrar interesse exarcebado por Maria. Sua mente insana não o deixava pensar com clareza e já não discernia nada, perdido em seus pensamentos loucos e vagos, um dia João o mata num acesso de raiva incontida.
É ai que tudo mudou, e a mãe continuava indiferente aos fatos relevantes. João já com 18 anos fora encarcerado. E um enigma aflorava a população das redondezas, foi um crime chocante e inexplicável, mas João mantinha-se calado frente ao juiz, e até mesmo ao advogado defensor de seu caso. Maria começava se afastar, ela sabia o que acontecia, mas também calara-se. Jamais complicaria a situação de João. A mãe sem interferir visitava o filho, lavava a ele comida e roupas limpas, mas sem questionamentos, nem muitas palavras.
Os dias passavam, o frio da sela, a falta de sol, de Maria, deixava João desolado e perdido. Teve ele muitas chances de explicar seu crime, mas nunca o fez, redimia-se a falar sobre o assunto, deixando o mistério mais tenso. Nem mesmo o advogado podia fazer algo por ele, não se abrira nem mesmo com seu defensor, a situação dificultava, e o caso não se resolvia.
Passaram meses, e tudo se manteve como o princípio, a prisão, a visita da mãe, os inúmeros interrogatórios e o afastamento de Maria, que recusava visita-lo, o que o deixava cada vez pior. Uma manhã, o advogado chegou a sela de João e o disse que não teria mais tempo para mudar seu destino, que todas as chances já lhe tinham sido dadas e que ele não soubera aproveita-las, e aquilo chegava ao fim.
Fora dada a sentença. João seria julgado e condenado à morte. Nada mais poderia ser feito, já que ele estava certo de que não falaria o que o levou a tal crime. Chegando o dia de seu julgamento, sua mãe como de costume o visitara na prisão, e pela primeira vez, conversou com João sobre o acontecido, e questionou-o sobre, mas ele parecia tranqüilo e decidido em sua vontade. A mãe, aflita com a decisão do filho, pediu a Maria que conversasse com o irmão, ela recusava, mas com insistência da mãe o fez. No dia seguinte Maria logo que o dia amanhecia fora ao cárcere, na tentativa de fazer com que João mudasse de idéia, confessando o motivo do crime, que por mais que chocasse o juiz e o público, ao menos seria a verdade, a raiz de todo o problema. João ficou surpreso e bastante entusiasmado com a visita da irmã, porém irredutível ao que já havia tomado por decidido. Maria ficou muito frustrada e só neste momento se deu conta da gravidade do caso. Retirou-se, dando um prazo de 24 horas, para que João refletisse e pudesse talvez mudar de idéia, retornou ao lar, aliviada e cheia de esperança, conversou com a mãe, e a deixara tranqüila momentaneamente.
A noite passou, fez-se o dia, Maria voltou até o cárcere, encontrou João com um ar sarcástico e irredutível. Estavam a uma semana do julgamento, e João parecia bem frente a sua situação. Os dias foram passando calmamente, a angústia tomava conta de mãe e filha, que sem saber mais o que fazer, rezavam e pediam a Deus que iluminasse os pensamentos de João e o salvasse.
Chegou o dia, o julgamento começara, o público presente, estava cheio o local, Maria e sua mãe, estavam temerosas, mas nada mais podiam fazer, tudo se encontrava nas mãos de João, elas rezaram muito na última semana, e por conta disso tinham esperança de que tudo mudasse naquela manhã e que o destino de João fosse mudado, sendo ele salvo do inferno.
Começou o julgamento, exatamente 9 horas da manhã, as perguntas do juiz, o silêncio de João, a defesa do advogado, uma nova tentativa de arrancar-lhe a verdade, e sendo assim desvendado o crime, mas em vão, as perguntas do público que assistiam muito sérios e atentos ao julgamento. O pedido da mãe, que interferiu implorando que o filho falasse logo a verdade para que todo aquele pesadelo acabasse. Maria desesperada, também falou, João continuava calado, dizendo que se estava condenado, então devia pagar pelo que cometeu.
Fora dada a última sentença, sendo ele condenado a morte por enforcamento em praça pública, as 9 horas da manhã seguinte. Aquele dia para João, Maria e Anna fora infindável. As horas não passavam, só aumentando a agonia de todos. Até que enfim escureceu, as pessoas do vilarejo se recolheram, ninguém parecia acreditar na atitude inexplicável de João. Maria e sua mãe, tentavam dormir, porém não conseguiram, estavam perturbadas demais para consegui-lo.
O dia clareou, o relógio da torre marcava 7 horas, ainda haviam outras duas até o enforcamento.
Friamente Maria e sua mãe tomavam uma xícara de café, arrumaram-se e foram rumo a praça. Anna não acreditara naquilo tudo, chegando a passar mal, e tendo que ser levada ao hospital, Não tendo quem a levasse Maria acompanhou a mãe, que estava desacordada, até que fosse atendida e medicada, passavam das 9. Chegando á praça, o enforcamento de João já tivera acontecido, levando mãe e filha ao desespero. Maria largou e mãe e correu até a torre da cidade se jogando de lá, sentindo-se impotente e culpada pela morte do irmão.

2 comentários:

  1. Legal... contos de arrepiar e causar tensão, com uma essencia de Edgar Alan Poe, esa maestria melancólica é essencilmente empolgante.

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