Ao
chegar à pequena cidade, ele não se vislumbrara como um jovem
calouro, recém-saído do seio materno, saindo de casa pela primeira
vez, para estudar, e, dali para frente possivelmente cortar o cordão
umbilical. Esta fase, para ele, já havia passado há alguns anos.
Chegando à universidade, direcionou-se até o curso de humanas,
onde seguiria seus estudos com base na literatura britânica.
Ainda
jovem, bem aperfeiçoado, um tanto misterioso, diga-se de passagem,
taciturno e com ares melancólicos Harold com o passar dos dias não
se pronunciara muito, pouco falava de si, de sua visão de mundo ou
da própria crítica literária, se manifestava quando necessário e
se, necessário.
Ficara
inicialmente em um pequeno quarto de hotel. Hotel barato, sujo, com
lençóis que podia-se duvidar se eram trocados quando os clientes
antigos abandonavam os quartos. As lâmpadas eram escuras, as paredes
desbotadas com algumas rachaduras. Ali ele permaneceu até que
encontrasse um abrigo habitável, com melhores condições onde
pudesse respirar ar puro, onde a luz fosse mais clara e pudesse fazer
suas leituras noturnas.
Depois
de mais um menos um mês naquele quase inóspito quarto de hotel,
conhecera alguns colegas do curso de mestrado, e fora convidado a ir
morar com eles, marcaram um dia para que fosse conhecer a pequena
república. Esta, era espaçosa, tinha uma cozinha coletiva, dois
banheiros, uma ampla sala de estar, duas salas de estudo, uma área
de serviço com uma velha máquina de lavar roupas e 4 quartos, sendo
3 deles ocupados. Harold achou que era muito viável se mudar e no
final de semana seguinte migrou para lá.
Ele
possuía olhos de poço infinito, negros e sem brilho, de
inteligência indiscutível, passara os quatro anos da graduação
afundado nos livros, ninguém tinha a menor dúvida de que fosse o
mais aplicado estudante da classe. Pouco se sabia sobre ele, discreto
e de poucas palavras, mal fizera algum tipo de amizade. Morava em um
pensionato. Lá contava por volta de dez rapazes, todos estudantes.
Em
uma manhã ensolarada de sábado a dona da pensão aparecera
repentinamente para cobrar o aluguel atrasado, dona Judite era uma
senhora pacífica, dona de alguns dos pensionatos da cidade, era
mulher de negócios e muito correta. Na manhã em questão foi até
um de seus pensionatos, cujo aluguel estava com alguns dias de
atraso, conversara com Guilhermino, o responsável pela locação. O
jovem educadamente lamentara o ocorrido e a avisara de que o
pagamento entraria em sua conta na semana seguinte. Judite,
tranquila, foi embora sem nenhuma dúvida de que Guilhermino estaria
lhe faltando com a verdade.
Passados
uma semana e o combinado não sendo cumprido, Judite voltara à
pensão a fim de resolver as pendências. Se locomoveu até lá
novamente em um sábado e não obtera sucesso, não encontrara
ninguém em casa.
Na
semana seguinte, já passados quinze dias, ela voltara à casa dos
estudantes, lá, encontrou Guilhermino lendo um livro na mesa da sala
principal, bateu à porta e Guilhermino pediu que entrasse.
Entrou
e já com pouca paciência alertou o jovem de que teriam poucos dias
para pagarem o aluguel ou então seria obrigada a despejá-los. O
jovem rapidamente aproximou-se da proprietária e disse que em breve
a pagariam.
Judite
dera mais uma semana de prazo para que acertassem o que deviam.
Passado o prazo a proprietária do local voltara obstinada a receber
o prometido. Guilhermino disse algumas palavras que não a
convenceram, e ela tornara-se rude com o jovem, alegando de que os
despejaria dali. Guilhermino desesperado arremessara um martelo sob a
cabeça de Judite, em seguida, o sangue escorria por entre as tábuas
do velho casarão. O jovem, assustado chamara seus colegas, que
vieram rapidamente. A impressão que se tinha era de que a velha
havia falecido, tamanha tinha sido a martelada em sua cabeça. O
sangue penetrava lentamente nas velhas tábuas do casarão.
Quando
seus colegas chegaram e viram a cena, assustaram-se e deram passos
para trás desacreditando no que enxergavam. Eles viam Guilhermino
como um ser calmo, pacífico e incapaz de fazer mal a uma mosca. Foi
então que Harold, com seus olhos negros e profundo, taciturno, de
poucas palavras, parecendo tão inofensivo, temendo o pior,
instintivamente, para livrar o colega de qualquer mal, resolver
martelar mais algumas vezes a cabeça da velha.
Dona
Judite, desmaiada ao chão e sangrando, aos olhos de quem a via,
parecia estar morta. Sem saber o que fazer, os demais garotos não
agiram. As horas passaram, então, decidiram levar Judite ao
hospital,ela ficou internada e diagnosticada com hemorragia
cerebral. A notícia deixara sua família em estado de choque,
através dos enfermeiros descobriram quem a levou ao hospital, foram
atrás dos garotos, inicialmente negaram qualquer coisa, alegaram que
a ajudaram, mas não deu certo, assim que pressionados confessaram a
barbárie e entre eles tiveram que apontar o autor do crime, do
contrário, se a matriarca da família não recuperasse completamente
a saúde todos pagariam. Então acabaram falando toda a verdade,
sendo o maior responsável Harold. Judite permanecera por alguns dias
no hospital e, finalmente com o diagnóstico completo, depois de
vários exames feitos, a conclusão era de que seu cérebro estava
comprometido. Seus familiares ficaram perplexos com a notícia,
Judite estava condenada a receber cuidados constantes, jamais
recuperaria a memória bem como estava com delimitações mentais.
Depois
de um tempo com a matriarca já em casa, sendo alimentada por outra
pessoa, tomando remédios, precisando de alguém para trocá-la, de
alguém para ajudá-la na locomoção, as pessoas já...já meio que
tinham esquecido tudo, e a vida naquela pequena velha cidade
abandonada às ruínas, que sobrevive por causa dos jovens estudantes
começava voltar ao normal, digo isto por dois motivos,
primeiramente, a velha é muito importante no vilarejo, e, sendo a
cidadezinha muito pequena, não há nenhum tipo de violência,
tirando uma briga de bar, e coisas do gênero, então o episódio das
marteladas foi um acontecimento marcante para todos.
Inverno
de 1996, algo inesperado, Harold tinha ido morar em um quarto de
hotel depois do episódio da pensão. Estava muito frio, ele saíra
de roupão do banheiro, o quarto estava cinza devido à água quente
do chuveiro, havia pedido vinho e lasanha, quando deu o primeiro
passo, foi surpreendido por três homens encapuzados e usando trajes
escuro, amarraram-no, colocaram-no no carro e o largaram no trilho de
trem.
Harold
começara a se debater, e de repente sua fé se fez tão presente,
que fé com sorte se entrelaçaram e ele conseguiu rolar e sair do
trilho, porém, dali ele rolou, e rolou ribanceira a baixo, muito íngreme, rolou até a metade mais ou menos e ficou enroscado em uns
galhos secos, não podia gritar, estava com longas e largas fitas em
sua boca, também não podia se soltar, estava muito bem amarrado,
ali permanecia, dia e noite, frio e chuva. Muito além bem lá
embaixo, havia um pequenino vilarejo, agricultores ali viviam, lá do
alto podia se ver as casinhas, carroças, os pequenos galpões,
hortinhas e toda a plantação, era lindo de se ver.