segunda-feira, 14 de maio de 2012

Romeu e Romeu.



Eles se conheceram numa linda tarde de outono, trocaram carícias sob a sombra de um plátano velho. E de lá para cá não desgrudaram mais, amavam-se cada vez mais, a cada dia que passava o amor deles aumentava. Vinham às noites, os dias, veio o frio depois o verão, eles brigaram muito, mas continuaram a se amar.
Eugenio era pacato, tinha voz suave e aveludada, porém gênio forte, jamais levara um desaforo sequer para casa, não sabia receber não, era impaciente na maioria das vezes e ríspido quando julgava necessário. Ele era estudante de letras, era amante dos livros, aliás, na tarde em que conhecera seu amor sob a sombra do plátano, se encontrava deitado lendo literatura russa quando foi surpreendido com a chegada daquele ser que lhe tirara o fôlego no mesmo instante de sua aproximação. O jovem não contava mais de 20 anos. Sim, era muito jovem e cheio de vida, possuía uma vitalidade invejável, era esportivo, corriam todas as manhãs, cuidava de sua saúde e alimentação, depois do café matinal se fechara no quarto para o momento precioso de suas leituras, onde adentrava num mundo distante e irreal. Ele costumava interagir de tal modo que parecia fazer parte da história.
Passados poucos dias, Eugenio convidara aquele que julgava sua alma gêmea para ir visitá-lo na residência da família. Era férias, verão tórrido e ele como um bom filho saíra da cidade onde mantinha seus estudos para ficar ao lado da mãe por quem era bajulado desde a infância. O pai de Eugenio era um cavaleiro distante, ausente em momentos cruciais familiares. Saia para pescas e demorava muitas vezes dias para retornar ao lar. A mãe de Eugenio já acostumada com tal situação nem se importava mais. O jovem sentia a falta do pai, na verdade desde criança sentia, pois desde aquela época o pai já mantinha relações longínquas com os familiares, até mesmo com a esposa e o filho.
Estas seriam férias diferentes, eu diria a mais excêntrica de todas que Eugenio já teve. Ele estava decidido a romper ciclos e reiniciar suas vivências. Queria dar um basta aquele sufoco que sentia, aquilo o incomodava, era como se mantivesse uma corda ao pescoço e de acordo com a situação era puxado a não cometer este ou aquele ato.
O jovem pegou o trem rumo a Constância Velha, o vilarejo onde a família residia. Chegando a casa, a mãe o recebera com bolo quente, leite fresco e muitas histórias ocorridas nas redondezas. Mas tudo levava a crer que aquelas férias não seriam iguais às anteriores. O jovem ao chegar a casa e fazer o lanche do final de tarde conversava com a mãe e logo de início disse que em breve um amigo viria vê-lo, e a recomendou que o tratasse muito bem, alegava ser um amigo muito especial que conhecera na faculdade e desejava que ele fosse bem recebido e que se sentisse em casa.
A mãe de Geninho, como o chamava, estranhou o comunicado e o pedido, mas não se importou muito, a família era muito modesta, mas sabia acolher bem a todos que por ali passassem.
No dia seguinte o trem das 16 traz um passageiro diferente, que jamais havia sequer passado por ali, era Charlie, o amigo de Geninho. O rapaz o esperou na velha estação e seguiram para casa. A mãe de Geninho o recebeu como se fosse um velho amigo da família, fez-lhe uma recepção agradável, cozinhou milho e frango para o jantar. Quando a noite chegou, junto com ela veio o pai de Geninho, a mais de uma semana ausente, chegou de surpresa e surpreendendo a família, estava sujo e faminto, disse não ter conseguido grande pesca devido à seca que fazia na região.
Ernesto, o pai de Geninho curioso sobre a visita, começou a questionar o rapaz vindo de longe para visitar o filho. Disse ele estar surpreso, pois o filho jamais mencionara o nome de Charlie, e que nunca imaginou que o filho tinha um grande amigo sem o conhecimento da família.
Conversaram muito depois do jantar na varanda da casa enquanto ouviam o cantar dos grilos, no desfecho da conversa Ernesto fala a Charlie que jamais permitiria homossexualidade em casa. Charlie fora pego de surpresa, imaginou que o pai soubesse da relação dele com o filho.
Charlie sem saber o que dizer tentara conduzir a conversa para outro lado tentou introduzir novos assuntos, e assim foi-se a noite. Foram dormir e, na manhã seguinte Eugenio convidara Charlie para um acampamento no meio do mato, dizia que tinha um belo caminho até lá, que praticamente eles atravessariam todo o vilarejo, o rio que dividia a cidade, os trilhos do trem, e que seria um passeio irresistível.
Pela manhã a mãe de Eugenio preparara um saboroso café com bolo fresco, roscas e pão ainda quente, sentaram-se todos à mesa, depois disso Geninho e Charlie prepararam-se para a aventura, arrumaram as roupas, barraca, água e comida, despediram-se dos pais e seguiram.
Saíram em direção ao riacho, mas para isso deveriam antes atravessar todo o vilarejo, o que não foi nenhum esforço, pois o local era lindo, bem arborizado, composto por casas antigas, aonde Geninho ia relatando histórias dos moradores locais e de casas assombradas. Dizia ele que nas redondezas havia muitos casos de casas com uma aura viva e por vezes até um tanto assustadoras.
Caminharam quase toda a manhã, Charlie conheceu tudo que podia e finalmente chegaram ao trilho onde o trem passara. Lá sentaram e ficaram a observar o local quase que abandonado, a estação férrea devorada pelas intempéries, mas ainda um lugar belo possuía uma beleza excêntrica como as ferrugens, o aspecto abandonado e de certa forma sombrio. Poucos freqüentavam o local, era praticamente ponto turístico por sua excentricidade e local onde alguns se reuniam para consumação de drogas ilícitas e orgias soturnas.
Depois de tempo ali sentados e calados, ambos seguiram rumo ao término do vilarejo onde se encontrava um riacho com águas límpidas e refrescantes. Caminharam mais um tempo até que chegaram, logo foram tomar um banho na pequena cascata, estavam com calor devido à caminhada e o sol já escaldante naquele horário. Pareciam muito felizes e satisfeitos, agora sim estavam longe dos olhos da mãe e principalmente do pai de Geninho. Podiam se amar sem medo, insegurança e a possibilidade de serem flagrados juntos.
Depois de um tempo saíram da água, secaram-se e prepararam a barraca, já se fazia início da noite, queimaram incensos para aromatizar e principalmente espantar os mosquitos. Depois alimentaram-se das delícias feitas pela mãe de Eugenio, fumaram um baseado e conversavam sobre a vida, sobre a relação que estavam tendo, sobre seus medos e anseios.
Eugenio temia muito o gênio forte do pai, sentia calafrios só em pensar na hipótese do pai homofóbico descobrir tudo. Charlie o acalmou dizendo que estava tudo sob controle e que ele jamais desconfiara de nada.
Depois de horas de conversa, pegaram no sono, acordaram apenas na manhã seguinte com o sol invadindo a barraca e o calor os espantando para fora dela. Caminharam pela mata, colheram alguns frutos e depois disso pescaram um peixe para o almoço. Fizeram uma fogueira e o assaram, posteriormente tomaram um banho na cascata novamente, se amaram enlouquecidamente, a paixão que sentiam era tórrida e parecia não cessar.
Anoiteceu outra vez, prepararam o fogo, sentaram em volta dele e contaram histórias de terror, Charlie sentia medo, o rapaz adentrava profundamente nos causos contados pelo amante e acabava por encarnar os personagens. Eugenio ria da situação, para ele nada mais eram que lendas e histórias do além.
A noite passou depressa, os jovens enamorados depois de horas falando sobre fatos reais e irreais caiam de sono. Esta tinha sido uma noite diferente, eles haviam tomado ácido e se encontravam em estado de euforia, pareciam não se conter em seus corpos, antes de adormecerem corriam nus por entre as árvores, gritavam como se estivessem sido libertados de uma prisão onde se encontravam enjaulados a muitos anos. A sensação de liberdade os consumia, e ninguém os ouvia, era afastado de tudo que se pudesse imaginar.
Finalmente exaustos caíram nos braços um do outro, fizeram amor, o mais louco possível e inimaginável e adormeceram.
Esta realmente tinha sido a noite mais agitada, chocante e intensa que lhes ocorrerá. E igualmente a última. O pai de Eugenio os encontrara dormindo nus e abraçados e sem pensar duas vezes lançou dois tiros mortais que os atingira os corações dos amantes apaixonados que morreram instantaneamente após os disparos mortais.





domingo, 13 de maio de 2012

Alforria

Adquirirei minha carta de alforria. Liberdade é supremo à vida. O homem sem ela se torna estagnado ao tempo. Vivendo assim uma vida que não pertence ele, que já lhe foi tirada e que possivelmente ainda não tenha se dado conta.
As amarras, os pulsos algemados, a fixação destrói lentamente. A alma se torna vulnerável e perfurada, deixando vazar a essência ainda oprimida.
A opressão torna o sangue latente em sórdido. A pulsação esgota-se causando a morbidez humana. Tornamos a corrupção um vício para com a nossa própria existência. O cataclismo da existência humana é evitado, descartado, nos fazendo pairar na mesmice da prisão eterna.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

O verdadeiro ator.

Um bom ator sabe o momento certo para retirar-se de cena. Ele tem consciência que numa outra época desenvolveu bem seu papel, e que teve grande aceitação pelo público. Aliás, ele já teve um, e sabe que já não o possui mais. Talvez sua paixão pelo trabalho já não arda mais, talvez tenha perdido a graça, talvez não faça mais sentido a ele, e nem aos outros que continue. Então este ator, substitui os palcos, cenários onde brilhara antigamente, pelo palco de sua própria vida, tentando assim redescobrir um novo brilho, que o faça sentir-se iluminado, embriagado em meio a tantas possibilidades, pelas quais esteve a vida toda de olhos fechados. Assim, para ele, reinicia um novo ciclo, bem como muitos outros que surgirão, assim que este não couber mais a ele. Assim é a vida. Em meio a angustias, alegrias, precipitações e entusiasmo, quando menos se espera algo já mudou, e ainda não nos transferimos para o novo, estamos com a mente presa no que vivemos, não queremos desgrudar, como uma aranha negando a ecdise, mas ela não tem escolha, é necessário, e isso acontecerá, assim como nós, meros mortais que pensam que as coisas são eternas, também deveríamos aceitar e compreender os ciclos da vida, que são naturais, necessários, possuem sua beleza e não existe uma forma e ou uma fórmula para escapar.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

A eterna insatisfação

O homem, o tempo, os anseios e a insatisfação. O homem que passa a vida procurando, buscando satisfazer-se, querendo tempo e eliminando anseios.
O tempo que parece volátil, diluído como gotículas ao relento. Os anseios, que sem eles cairíamos num mar de angústias por não tê-los, porque se não os tivermos não temos objetivos e se não temos estes quais seriam os sentidos que daríamos à nossa existência?
Caminhamos rumo ao mar da insatisfação eterna e reclamamos por vezes disso. Mas não condicionados a ela estaríamos estagnados, flagelados.
A insatisfação nos faz viajar num mundo intrínseco, como um encontro com nós mesmos. Através dela saímos do comodismo. Este que faz com que não nos desestagnamos. Renovamos. Insatisfeitos na busca pela satisfação efêmera hoje para amanhã estarmos novamente insatisfeitos.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Último diálogo ao amigo


Disse ele em seu leito antes de adormecer:
“- E o coração dela não mais me pertence, ó céus que iluminais minhas noites trêmulas e gélidas.
-Meu caro amigo, que poderias fazer? Amor próprio caríssimo, amor próprio. É isso que falta ao nobre amigo.
- Sei bem disso. Não posso mais nada cometer. Seu coração vive em outro. Não há mais espaço para o meu.
- Que bom que compreendes fiel companheiro. Que bom que compreendes.
- Faltar-me-ia o mínimo de amor a meu próprio ser se recorresse a algo que um dia me pertenceu, mas que agora pertence a outrem. Não devo tentar roubar o que já tive em outro momento e que agora vive obscuro perante meus olhos. Nem mais consigo enxergá-lo.
-”É meu amigo, agora permanece distante dos olhos, mas continuará vivo para sempre em vossa memória.”