Em uma ardente noite de verão, Lucy estava sentada
próximo da janela de seu quarto apreciando a lua. Era uma noite tórrida beirando
os 50º C com um brilho esplêndido do luar que se fazia presente na noite para
animar as almas mais pesadas que se encontrasse na terra, Lucy era uma dessas
almas necessitadas do brilho da lua. Lucy sentia desânimo, sentia tédio, sentia
fome, não uma fome qualquer e sim uma fome de vida, coisa que em seu vilarejo
não se era possível. E ainda mais com a alta temperatura, ela mal saia de seu
quarto e nele vegetava, vivia com os olhos grudados na janela olhando o mundo,
olhado as pessoas tomando sorvete e este derretendo pelos dedos, mãos e as
vezes até mesmo o braço de quem o tomasse. Lucy pensava na graça que aqueles
pobres transeuntes viam em perambular e
tomar sorvete naquele verão escaldante de temperaturas turbulentas, nem se quer
isso podiam fazer direito. O tédio de Lucy era tanto que invadira seu lar e
escorria pelas paredes, pela velha mobília e até mesmo onde Lucy repousava, em
sua cama.
Em uma destas noites de lua fatidicamente bela Lucy sentiu
um vento passar por debaixo da porta de seu quarto e adentrar. Pensou ser uma
brisa, ou melhor, pensou que estivesse delirando, era impossível sentir a brisa
com o ar quente e monótono, a noite não era de brisa, era noite de verão.
Continuou olhando o mundo paralelo dividido pela janela de seu quarto, aquele
onde as pessoas viviam, tomavam sorvete, passeavam e Lucy lá do alto apenas
olhava, tudo na mesma, tudo do mesmo jeito de sempre.
Lucy sentiu um sopro quente próximo de sua face e pensou
no desejo que tinha de que não houvesse mais verões, que não houvesse mais dias
quentes, noites de fadiga, de insônia. E
de repente uma fumaça vindo do subsolo de seu quarto abafado começou surgir e
transparecer em forma de um anjo obscuro e irresistivelmente sedutor. Lucy
ficou intacta olhando aquela imagem se formando bem diante de seus olhos, vida
que rastejava diante de si e não fora de seu quarto, não aquela vida medíocre
apenas vista pela janela que fragmentava Lucy do restante do mundo. Era vida de
verdade, que pulsava e queria mais.
E assim ele começou tocar uma linda sinfonia e lentamente
Lucy foi ficando inconsciente até adormecer, e ele a levou consigo para todo o sempre,
para longe dos verões, dos dias escaldantes e das noites de fadiga. Lucy
evaporara feito molécula se dissipando do estado líquido para o gasoso e transcendeu
infinitamente para terras inebriantemente geladas.