segunda-feira, 3 de novembro de 2014

O homem solitário

O sol se esvaía em raios pouco luminosos, porém ainda vivos o bastante para refletir sua face recostada na abandonada parada do velho metrô. Era um sujeito peculiar, encontrava-se em estado de pura embriaguez emocional, distante em seus pensamentos, segurava entre os dedos um cigarro que se apagava lentamente sem que fosse usufruído. Os transeuntes eram efêmeros e nem o percebiam. Mas ele estava ali, paralisado, desprovido de qualquer ação notória. Seu cigarro chegara ao fim sem que ele o aproximasse dos lábios, seus olhos miravam o plácido horizonte onde as nuvens moviam-se num piscar de olhos. Assemelhava-se a uma escultura viva, e os ponteiros do relógio percorriam sua rota enquanto as velhas tricotavam no banco ao lado. Um barulho insuportável a qualquer ouvido sensível o trouxera a realidade, uma lágrima molhou a fétida calçada como uma chuva instantânea e forte o suficiente para lavar a alma suja de qualquer cidadão em estado de decomposição ainda em vida. Um jovem encontrava-se caído nos trilhos, lavado de sangue, levantando sua mão gritou: “salve-me”, todavia, aquela excessiva  quantidade de cédulas de identidade que por ali passavam o observaram com certo descaso percebido a cada olhar em direção ao jovem e seguiam em frente sem olhar para trás. Em seguida o jovem caiu e ali ficou, os passageiros seguiam seus cursos projetados e o homem saiu caminhando rumo ao nada.

Resiliência

Ela encontrava-se em estado onde emergia as dores do mundo. Sentia sua pele rasgando lentamente, sentia seus olhos murcharem ao contemplar o horizonte distante e gélido. Suas pálpebras pareciam estar fora de si, seu coração pulsava incessantemente. As dores pareciam incessantes, o olhar tão triste quanto a noite sem sua constelação. Sentia-se vazia, sentia a efemeridade da vida, a brevidade de todas as coisas, sentia as dores. As dores do mundo.
Contemplava o vazio escaldante e sólido, imaginava a ausência da hostilidade que habitara o universo e pairava sob cada indivíduo. Imaginava que cada estrela ausente naquela noite mórbida representasse uma vida, uma alma pedindo socorro, pedindo luz. A madrugada fora embora deixando ainda mais vazio inóspito em seu ser.
Um vácuo dilacerava-a até que a purificasse transformando dor em amor, ausência em essência, voltara ao seu estado natural antes da grande catástrofe nuclear aproximasse e adentrasse em seu universo antes hostil a todas as mazelas mundanas.
Aproximou-se do grande espelho da vida e sorriu, um sorriso rasgado, costurado, trazendo consigo as marcas da noite. E olhou firme para o horizonte e renasceu dentro de si uma águia que voara infinitamente para este horizonte sem deixar marcas, sem deixar passos, voou.



 

sábado, 1 de novembro de 2014

Balada de um Homem Comum

Hey viajante, para onde pensas que vai? Para onde pensas seguir? A neve cai lá fora, faz um frio tremendo. Eu estava lá, minhas mãos congelaram, meu corpo estremeceu, minha alma gritava. E tu, pensas que irás sobreviver à tamanha intempérie? Que te faz pensar ser tão forte? A neve segue a cair, congelando corações. Há um verdadeiro estardalhaço lá fora, não muito longe, da janela podemos avistar a dor humana que perambula as ruas gélidas. As calçadas estavam vazias e agora estão cheias. Tu estarás só, as pessoas desaparecerão, e restarão apenas tu e a neve contínua, que permanecerá congelando. E te transformara em um solitário boneco, talvez ela tenha piedade e te presenteie com um cachecol, mas isso será tudo. O resto desaparecerá instantaneamente. 

domingo, 6 de julho de 2014

A vida dos outros (quando se vive uma vida que não lhe pertence)

Ele era um sujeito pacato e poderia dizer que até mórbido em certos aspectos de seu cotidiano, cultivava poucas amizades, praticamente não saia de casa, passava as tardes sentado na velha poltrona já rasgada lendo seus livros deteriorados pelo tempo e já servindo de alimento às traças.  Cultivava um gosto um tanto peculiar, poderia se dizer excêntrico. Cuidava de seu jardim interno como cuidaria de um filho, lá mantinha as espécies mais peculiares, plantinhas que se alimentavam de insetos, porém inseto algum entrava ali, logo ele preparava armadilhas para captura-los e dar de alimento a suas plantas.
E assim passavam os seus dias e as suas noites. Dormia e acordava, lia, capturava insetos, alimentava as plantas. Um dia fora até sua caixa do correio e recebera um presente um tanto inusitado, um telescópio, então pensou o porquê de alguém mandar aquilo para ele. Recolheu o presente com zelo e o largou em sua mesa da biblioteca. Sentou em frente a ele e ficou um tempo olhando para o objeto.
A noite caiu e ele adormeceu, no dia seguinte instalou o presente oculto em sua janela no sótão, acima das demais janelas vizinhas e passou a usá-lo. E daquele dia em diante sua vida mudou drasticamente, abandonou a monotonia e a morbidez em que viva até o momento. Passou a vigiar os vizinhos, jamais alguém suspeitaria afinal o homem nunca saia de casa, jamais era visto, era tão discreto quanto o sol em dia chuvoso. E então começou a sentir o prazer da vida, vigiando a vida alheia.
Assim foi por alguns dias, avistara uma senhora cozinhando, ela usava um velho avental, colocava algo no forno para assar ou apenas aquecer, não pode distinguir o que ela colocara ao forno, mas ela parecia feliz, ria enquanto fazia determinada tarefa. Depois viu uma criança brincando com sua boneca de pano, em seguida um cão recolhendo o jornal e levando para casa. Era tudo tão divertido, era como se ele vivesse aquelas vidas. A vida dos outros.
Durante a noite novamente subiu ao sótão e mirou uma casa onde um jovem casal namorava, em seguida um homem chegando em casa e acendendo as luzes até então apagadas, o homem largou o chapéu sob a mesa, aqueceu um líquido e o ingeriu, ele parecia reflexivo, talvez não tivesse tido um bom dia, aliás uma boa noite. Talvez estivesse deprimido, então o protagonista sentiu um vácuo ao ver aquela cena e buscou outra janela.
A última cena o deixara aborrecido então abandonou a sótão e fora dormir. Na manhã seguinte levantara da cama e enquanto tomava o café da manhã pensava em seu ato de vigiar. Sentiu-se mal e decidiu que não mais o faria, pensou que aquilo não era correto embora fosse tentador e divertido, não cabia a si vigiar a vida alheia, isso era uma sacanagem, um desrespeito, antiético e invasivo. O dia passou, e ele buscara fazer outras coisas, acabou que caiu na velha rotina. Ao anoitecer já entediado e tendo a possibilidade de subir ao sótão e viver uma vida que não lhe pertence, rompeu consigo próprio, com seus princípios e subiu. Inicialmente as mesmas cenas cotidianas, pessoas cozinhando, olhando televisão, lendo, crianças brincando, nada de mais. Mas com o passar das horas algo profundamente assustador, um homem espancava uma mulher, podia ver que ele a agredia violentamente, o homem ficou sem saber o que fazer, a mulher era a vítima indefesa, não relutava, e o seu violentador não dava trégua. Mais uma vez pensara que não era correto espiar, mas pensou também que deveria fazer algo, chamar a polícia, fazer uma denúncia anônima, fazer algo para ajudar a mulher aparentemente indefesa. Mas ficou sem ação, e acabou nada fazendo, outra noite que fora dormir mal pelas cenas vistas naquela noite.
Depois de um tempo já na cama, com sono, mas não conseguindo dormir finalmente adormecera. Na manhã seguinte percebera um vulto nos arredores, pessoas caminhando e falando alto, a polícia, então fez algo que raramente faz, abriu a porta e foi ver o que tinha ocorrido. Para sua surpresa a mulher cuja qual espiara sendo espancada na noite anterior estava morta.
A casa abandonada, cheirando à morte e apenas ela, esvaindo em sangue recostada na poltrona da sala e o cão deitado ao lado do cadáver. Seu assassino fugira sem deixar rastros, visto que era um amante da jovem assassinada, e mantinham o caso em segredo.
E ele ficara atormentado ao saber que a morta vivia só, somente ela e seu cão, visto que a mulher era desprovida de visão, e era guiada por seu cão e isso explicava muita coisa. Fora espancada até a morte por que não podia se defender, não via nada, e seu amante tornara-se o inimigo, inimigo este que acabara com sua vida em um curto tempo.
A polícia mandou o corpo para o IML, tentou fazer contato com a família, mas não foi possível, a moça era demasiadamente misteriosa e aparentemente não tinha família, ao menos nada encontraram em sua casa que pudesse identificar algum parente ou uma pessoa próxima.
O terrível dia finalmente chegara ao fim e o homem olhava para a casa e cenas da noite anterior lhe vinham à mente, e cada vez era mais atordoado com aquilo. Estava prestes a ter um colapso nervoso, começara a caminhar pela casa, de um lado para outro, acendera um charuto, sentara na poltrona e começara a bater fortemente com os dedos na mesa. Estava mentalmente exausto, e sem saber o que fazer.
Deitou-se e tentou dormir, mas não obteve sucesso, e virando de um lado para o outro levantou-se e caminhara fumo a sua biblioteca, abriu uma gaveta, pegou sua arma, apontou-a para seu cérebro e apertou o gatilho.


domingo, 29 de junho de 2014

O homem que aprisionava aves

Ele andava só pela mata quando avistou dois cavalheiros que surgiram do alto das montanhas, os homens caminhavam rapidamente e vinham em sua direção. Apressou o passo, as folhas das plantas secas batiam-lhe abrindo pequenos orifícios em suas canelas que lentamente começavam sangrar.
Perdera os homens de vista, sumiram repentinamente, então ele acalmou-se e passou a caminhar vagarosamente. Distraiu-se por um instante e isso foi o suficiente para que caísse na armadilha e fora capturado pelos grandalhões em meio à mata deserta, onde não havia nenhum sinal de vida, exceto a mata em si, e esta não poderia ajuda-lo, precisaria de ajuda humana, ou uma grande fera que surgisse e os espantasse dali, algo assim. Não tivera sorte e os homens estranhos o colocaram em uma pequena gaiola de metal, ele mal cabia dentro, pegaram um pedaço de galho seco e começaram a peregrinação rumo às montanhas.
O homenzinho perdera a voz, tamanho era seu medo que parecia ter engolido a língua, arregalou os olhos e os sinistros homens não falaram nada, alguns murmúrios entre eles, e nada mais.
Seguiram e a noite caia agora o caminho era íngreme, estavam próximos da velha colina.
A lua surgira no céu nítido de estrelas ofuscantes, e eles finalmente chegaram ao lar, adentraram a cabana, largaram-no ao chão, porém preso na gaiola e o homem sentia-se estranho, aquilo mais parecia um pesadelo, estava vivendo horas de tormento e não compreendia.
Então surgiu um grande homem e ainda mais estranho que os aqueles que o capturaram e este olhou profundamente em seus olhos e murmurou bem alto, uma grande ave entrou pela janela e sentou em seu ombro e começara traduzir:
-Você prendeu muitos pássaros, tirando-lhes a liberdade e a dignidade de suas asas. Você burlou a natureza, extrapolando limites e agiu com sordidez, prendendo-os, maltratando-os, mantendo-os em cativeiro, você não tinha este direito. Quem pensa ser e que poder pensa que possui para cometer tal malvadeza? Sua liberdade foi tirada como dívida para com aqueles que prendeu, suas asas foram cortadas para que lembre de quantos não deixou voar. Sua vida esta limitada feito àquelas vidas que você limitou. Esta é a lei do retorno, você esta colhendo o que plantou esta sendo cativado pelo que cativou, esta vivendo o inferno que a outros causou.




segunda-feira, 26 de maio de 2014

O tubarão que não vivia no mar



Ele velejava e o mar estava calmo, o céu tão límpido e as águas gélidas oceânicas cristalinas. Hoje era um dia especial para o jovem Jacob, ele se encontrava em estado de euforia profunda, dentro de cinco dias pisaria em chão firme e finalmente encontraria sua amada que não via há alguns meses. Ele velejava por meses até que retornasse para casa, e carregava consigo um foto da amada Caterine, a quem havia jurado amor eterno.
Contemplava a pequena foto em preto e branco, já meio velha e amassada com tamanho zelo como se fosse um verdadeiro tesouro.
Jacob percorria pelo mar como um lobo solitário, por meses não mantinha contato com ninguém, privado de calor e contato humano, Jacob apegava-se a natureza, contemplava a imensidão de água bem diante de seus olhos tão claros feitos a água do imenso oceano. Apreciava o sol refletindo, porém não aquecendo as geladas águas profundas do pacífico, por vezes via golfinhos saltitantes, sempre que podia mergulhava e entrava em transe em meio ao mar violento, mas que com ele gentil. Jacob transformara-se em um verdadeiro amante da natureza e poeta iluminado, em horários de folga, além de apreciar o mundo e mergulhar também escrevia cartas à sua amada, cartas estas que jamais enviaria e sim as entregaria pessoalmente, causando na doce Caterine amor profundo e admiração.
Dias e noites e o desejo de tocar Caterine o consumiam em devaneios lúcidos. Jacob ansiava pelo término do velejo e o encontro com a amada, mas sabia que tinha que ter paciência, o dia aproximava-se, e para quem já estava há tanto tempo distante, o que significava mais quatro dias refletia o poeta do mar. A noite caiu, o dia amanheceu, e a ansiedade invadia a mente do sonhador.
Naquela manhã Jacob aventurara-se nas águas pacíficas e mergulhara na imensidão marítima. Fez um dia quente e agradável e ele não tinha muito que fazer, foi até as profundezas do oceano onde pode contemplar toda a beleza nele guardada. Naquele dia especificamente viu polvos dançando, raias mais radiantes do que nunca, viu ao longe uma baleia trafegando lentamente, avistou também lindos peixes coloridos e pensou em toda a beleza contida nas profundezas do mar vista por poucos e sentiu-se pleno em sua contemplação.
Mas em um momento Jacob manteve-se com os olhos vidrados e direcionados para um tubarão, ficou ao longe observando-o, o tubarão parecia inofensivo, aos poucos Jacob fora aproximando-se do grande peixe de águas salgadas. Na medida que se aproximava, percebera o quão doce o tal tubarão poderia ser. Mas algo o deixava intrigado, o grande peixe oceânico vertia em lágrimas, e Jacob jamais presenciara algo assim, aquilo para ele era demasiadamente espantoso. Chegou o mais perto possível e acariciou o monstro do mar, e este assim permitindo, encostou-se em Jacob, causando uma sensação única e naquele momento o poeta do mar sensibilizou-se com a cena e não conseguia crer naquilo. O grande tubarão seguia derramando lágrimas que salgavam as águas pacíficas. Depois de um longo tempo ali na mesma posição, Jacob subira e a cena permanecia em sua mente. Pensou ele na maldade humana para com os tubarões, pensou na possibilidade destes possuírem sentimentos e dores, assim como qualquer outro ser racional, e pensou também que todos carregam suas feridas consigo, algumas cicatrizam, e outras se rasgam, trazendo ainda mais sofrimento.
Os dias passaram, e finalmente Jacob avistara a terra e a alegria o dominava. O jovem estava há um passo de sua amada, sentia-se mais pleno do que nunca, contudo o grande peixe do mar não saia de seus pensamentos, e ele acreditava na veracidade do que presenciara.
Agora com os pés no cais, Jacob começara a sentir o aroma de casa, de Caterine, e de tudo que deixara há alguns meses quando partira mar adentro. Desceu do navio e seguiu andando pela calçada suja do velho porto abandonado rumo à Caterine. Andou assim fitando as folhas secas caídas ao chão, ele achava o outono a estação mais bela e mais romântica, nenhum sonhador idealista poderia ter como preferida outra estação do ano que não fosse o outono. Recolhera algumas folhas avermelhadas e colocara junto de seus pertences que carregava junto consigo.
Até que enfim Jacob chegara em casa, suspirara com intensidade, olhara as cartas, ajeitara o cabelo, e batera à porta.
A casa encontrava-se em estado dormente, o silêncio era pleno. Jacob avistara o gato do vizinho no quintal da modesta casa rústica, feita de pedras e coberta por musgos. O gato miara e veio até Jacob, então ele acariciou o animal e balbuciou onde poderia estar Caterine. Batera novamente, e resolvera sentar na escada em frente a casa, visto que Jacob não possuía chaves da casa, Caterine estava sempre em casa, a jovem quase nunca via a luz do dia, saia se necessário, tinha como companheiro um cão e de mais nada precisava. A jovem também não tinha família, tampouco amigos, era tão solitária no cerne de seu lar tão quanto Jacob em águas infinitas.
Algumas horas passaram, Jacob avistou um dos poucos moradores da pequena rua e aproximou-se do homem perguntado se havia visto Caterine, o homem respondeu que não, nunca a via. Então Jacob pensou que a amada pudesse ter caído em sono profundo e voltou à velha casa e com um chute derrubara a porta da casa, entrou e nada viu. Caminhara até o quarto que estava escuro, acendera a luz e encontrara Caterine caída ao chão, estendida feito um velho tapete abandonado. O cão estava do lado em uma posição semelhantemente igual à de Caterine. Ao lado da jovem uma arma, Jacob a levantara e o sangue escorrera novamente ao chão, e o fétido aroma invadira o recinto apodrecendo assim todos os sonhos de Jacob que naquele momento sentira-se igual ao tubarão que vertia em lágrimas no oceano. Triste e solitário Jacob largou lentamente o corpo de Caterine, abraçou-a fortemente, afagou o cão e deu um tiro mortal em seu crânio.




sábado, 15 de março de 2014

O retorno

Era uma noite fria e chuvosa, o pessoal já havia ido para casa, era sexta-feira e todos ansiavam pela noite que antecedia o final de semana, exceto Eldon, um cientista fissurado pelo trabalho, um apaixonado pelas pesquisas laboratoriais e visto como um insano por muitos. Eldon acreditava no poder da mutação, levava suas pesquisas extremamente a sério e não abandonava o desejo de conseguir provar que estava certo em relação a isso. Eldon tinha uma teoria depois de longos anos de estudo de que  poderia transmutar vírus, estados psíquicos e doenças de um corpo para outro e posteriormente remover a doença do corpo doente e adormece-lo em um tubo de ensaio e mantê-lo lá eternamente.
Dias antes Eldon havia feito uma grande encomenda de ratos, ele tinha por meta ultrapassar seus limites e aperfeiçoar sua pesquisa onde buscava comprovar que era possível retirar uma doença de um corpo e transferi-la para outro corpo, curando assim o primeiro e adoecendo o segundo.
Pois bem, Eldon tinha uma irmã doente, extremamente doente cuja cura estava distante da medicina convencional, então ele passou a se dedicar profundamente em sua pesquisa a fim de cura-la.
E assim o fez. Naquela noite de sexta-feira chuvosa onde seus colegas se encontravam em seus recintos, em festas e bares da cidade, Eldon aproveitou que o laboratório ficaria livre somente para ele e trouxe sua irmã até o local, depois de meses de pesquisa, testes com animais, Eldon achou que estava na hora de contribuir com a saúde da irmã e igualmente com a medicina.
Chegando ao laboratório raios e trovões amedrontavam a cidade, o céu estava escuro e a chuva caia incessantemente. Eldon a carregou em seus braços até a sua sala acomodando-a em uma cadeira com fios elétricos que se interligavam à grande tempestade, outros fios ligados à energia elétrica do local. Anexou ao corpo da irmã todos estes fios de eletrodos e a deixou ali por um instante. Enquanto isso ele pegou um dos ratos do laboratório e agregou fio a fio que estava já em contato com o corpo doente da irmã ao pequeno corpo do rato. Depois de pronto sentou e aguardou relampejos e luzes vivas ao céu.
Algumas horas se passaram e tudo seguia normalmente e de modo pacato. As horas iam passando, e o relógio marcava 10 para a meia noite, então um grande raio se fez presente deixando o laboratório azul ofuscantemente vivo, os fios começavam se dissipar, correntes elétricas explodiam em uma simbiose perfeitamente harmônica e vulnerável ao poder atômico começava ultrapassar todos os limites do jovem cientista.
Todo o seu controle estava agora longe de seu alcance e ele perdera todas as suas cartas do jogo e já não tinha mais como saber o que de fato estava ocorrendo. Algumas horas se passaram e Eldon adormeceu.
Quando desperto na manhã seguinte se encontrava solitário em seu laboratório, começara vasculhar o local procurando pela irmã e o rato. Visto que a irmã não caminhava, o que teria acontecido a ela depois da experiência, preocupou-se, mas sentia-se demasiadamente excitado ao perceber a ausência de ambos ali no local. Depois de uma busca frenética e incessante cansou e foi para casa, nada poderia fazer até o exato momento.
No sábado à noite Eldon aceitara o convite de amigos para sair beber, passou horas na rua bebendo com os amigos e se embriagara a tal ponto de esquecer a experiência da noite anterior. Ele estava transtornado demais para lembrar-se de qualquer coisa, sua mente já estava exausta e ele exaurindo álcool pelos poros.
Quando retornou ao lar, abriu a porta devagar, tentou acender as luzes, o que fora impossível, a casa encontrava-se desprovida de energia elétrica, então Eldon adentrou o recinto, subira até o sótão e adormecera.
Naquela madrugada Eldon fora surpreendido por um grande rato falante, o rato o surpreendera no momento sublime de sono agudo. Eldon despertara assustado com a voz grave do rato o questionando a respeito da experiência, primeiramente Eldon atribuiu o ‘insight’ ao álcool ingerido na noite que antecedia aquele momento relativamente grotesco para si. E o rato com ar irônico afirmara:
-Isto não é um sonho, tampouco um pesadelo, eu existo, eu falo, eu estou conversando com você.
Eldon coçou a cabeça, arregalou os olhos em direção ao rato e nada disse, as palavras lhe faltavam naquele instante que o possuía lentamente até que desmaiasse e caísse então em sono profundo novamente.
O rato ali permaneceu e aguardara até o momento em que Eldon naturalmente despertasse. Isso levou algumas horas que não incomodaram a aberração criada pelo cientista, que agora sim concordava com os colegas de trabalho de que sim, de que teria enlouquecido.
Eldon tentou fugir, tentou abandonar a casa, mas fora impedido pelo rato que queria uma explicação. Então Eldon buscou acalmar-se e tentar uma possível resposta para o grande roedor, e disse-lhe:
-Eu o criei. Eu o fiz, porém não me pergunte como isso ocorreu, eu só queria curar minha irmã doente, queria transferir sua doença para si, desejava isso mais que qualquer outra coisa. Eu ia retirar todo o mal de seu pobre corpo pequeno e peludo, mas isso fugira de meu controle e agora nada mais posso fazer.
O roedor ouviu com atenção e o intimou para que fossem ao laboratório, e assim foi. Eldon cedeu ao pedido do rato, já que não tinha outra escolha se não esta e então foram. Chegando lá Eldon ainda sentindo-se embriagado tentando manter-se tranquilo e sensato mostrou como foi feita a experiência, era o que o rato queria saber.
Então o forte rato o amarrara na mesma cadeira, o amordaçara e capturara a doença de sua irmã salva em um tubo de ensaio e ligou a ‘máquina’ e transferiu o grande mal para o cientista. O rato agora se sentira vingado e a passos lentos caminhara rumo à vida humana.


segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Sinfonia para Lucy

Em uma ardente noite de verão, Lucy estava sentada próximo da janela de seu quarto apreciando a lua. Era uma noite tórrida beirando os 50º C com um brilho esplêndido do luar que se fazia presente na noite para animar as almas mais pesadas que se encontrasse na terra, Lucy era uma dessas almas necessitadas do brilho da lua.  Lucy sentia desânimo, sentia tédio, sentia fome, não uma fome qualquer e sim uma fome de vida, coisa que em seu vilarejo não se era possível. E ainda mais com a alta temperatura, ela mal saia de seu quarto e nele vegetava, vivia com os olhos grudados na janela olhando o mundo, olhado as pessoas tomando sorvete e este derretendo pelos dedos, mãos e as vezes até mesmo o braço de quem o tomasse. Lucy pensava na graça que aqueles pobres transeuntes viam em perambular  e tomar sorvete naquele verão escaldante de temperaturas turbulentas, nem se quer isso podiam fazer direito. O tédio de Lucy era tanto que invadira seu lar e escorria pelas paredes, pela velha mobília e até mesmo onde Lucy repousava, em sua cama.
Em uma destas noites de lua fatidicamente bela Lucy sentiu um vento passar por debaixo da porta de seu quarto e adentrar. Pensou ser uma brisa, ou melhor, pensou que estivesse delirando, era impossível sentir a brisa com o ar quente e monótono, a noite não era de brisa, era noite de verão. Continuou olhando o mundo paralelo dividido pela janela de seu quarto, aquele onde as pessoas viviam, tomavam sorvete, passeavam e Lucy lá do alto apenas olhava, tudo na mesma, tudo do mesmo jeito de sempre.
Lucy sentiu um sopro quente próximo de sua face e pensou no desejo que tinha de que não houvesse mais verões, que não houvesse mais dias quentes, noites de fadiga, de insônia.  E de repente uma fumaça vindo do subsolo de seu quarto abafado começou surgir e transparecer em forma de um anjo obscuro e irresistivelmente sedutor. Lucy ficou intacta olhando aquela imagem se formando bem diante de seus olhos, vida que rastejava diante de si e não fora de seu quarto, não aquela vida medíocre apenas vista pela janela que fragmentava Lucy do restante do mundo. Era vida de verdade, que pulsava e queria mais.

E assim ele começou tocar uma linda sinfonia e lentamente Lucy foi ficando inconsciente até adormecer, e ele a levou consigo para todo o sempre, para longe dos verões, dos dias escaldantes e das noites de fadiga. Lucy evaporara feito molécula se dissipando do estado líquido para o gasoso e transcendeu infinitamente para terras inebriantemente geladas.

sábado, 4 de janeiro de 2014

A arte de viver só



Desde o surgimento do mundo, os seres que ocupavam este espaço viviam em grupos. Animais já extintos, homens primitivos, animais selvagens... Pouco se ouve falar em ermitões, os homens precisam uns dos outros, seja lá pelo trabalho em equipe, família, amigos, animais de estimação e outros amores. Nós, assim como os animais irracionais agimos também e não só com instintos, nos agrupamos ou por necessidade ou por comodismo e ou ainda por afinidades.
Em tempos modernos, como seriam estas turbulentas relações entre humanos? Será que vivemos feitos porcos-espinhos, mas mesmo assim nos unimos por algum bem maior. O que faz o homem necessitar de outros homens à sua volta? Por que há tanta dificuldade em viver só?
São raras as pessoas que se bastam, que se intitulam autossuficientes, embora a humanidade esteja farta com tanto sentimento maléfico ela ainda precisa dos demais. E a “second life” que para boa parte da população esta passando quase de segunda para a primeira vida? E no futuro como serão as relações humanas?
Há uma linha do tempo que para mim define bem o mundo a grosso modo: The Flinstones( o homem primitivo), The simpsons( o homem contemporâneo) e The jatsons( o homem do futuro). E num futuro não tão distante, o que virá?