Ele
mantinha em si os mesmos velhos hábitos, acordava sempre no mesmo
horário, tomava chá em um mesmo momento do dia, colhia flores pela
manhã, cozinhava pratos repetidos e andava continuamente do mesmo
lado da calçada.
Já
faziam longos anos que trabalhava na mesma empresa e com o mesmo
cargo. Nunca trocou o perfume, as roupas, os calçados e os poucos
acessórios eram substituídos pelos mesmos quando os antigos não
lhe serviam mais.
Era
demasiadamente simplório e paradoxalmente complexo, não havia nada
que ele mudasse em sua vida, os velhos hábitos tornavam a repetir e
repetir incessantemente.
Por
anos fora solitário, vivia em uma cabana um pouco afastada da
civilização, cultivava seu pomar e suas flores com dedicação,
durante a semana ficava horas na cidade devido ao trabalho. Gostava
de andar a pé, era peculiarmente conhecido pelos mesmos trajes a
léguas de distância e igualmente pelo caminhar leve, andava como
que se estivesse pisando em nuvens. Pressa era algo que não
conhecia, gostava de usufruir as pequenas coisas e tirar o máximo de
proveito delas.
Perdera
o contato com a família quando saíra de casa ainda muito jovem para
estudar e servir ao serviço militar, nunca mais voltara, apenas para
breves visitas e com o passar do tempo estas foram diminuindo, os
irmãos mudaram-se para longe, os avós faleceram, os pais mudaram
para um asilo em ma cidade distante. Aos poucos afastava-se mais de
seus familiares e dos poucos amigos que tinha.
Depois
de longos anos de solidão conhecera uma moça que trabalhava no
jornal da cidade, esta era encantadora e misteriosa, parecia viver no
mesmo universo distante e desprovido de grandes socializações.
Em
uma tarde de sexta-feira depois do expediente, e posterior a uma
semana cheia de trabalho Albert convidara a moça para um café no
centro da cidade, a jovem aceitou o convite, o encontro fora breve e
durara pouco mais de uma xícara de café e algumas poucas palavras.
Na
semana seguinte Albert novamente convidara Anita, mas desta vez não
para um café e sim para ir à sua casa. Deu-lhe o endereço anotado
em um pequeno papel de almaço já bastante amarelado. A moça
confirmou que o visitaria na manhã do sábado.
Albert
a recebera com flores colhidas por ele de seu jardim, cozinhara e
mostrara a ela coisas do tipo, uma minúscula janela aos fundos da
cabana de onde observava seu jardim, seu pomar, suas fotografias, e
um velho caderno de receitas de onde ele tirava seus pratos
irreverentes.
Albert
não se alimentava de cadáveres, seus cardápios eram puramente
constituídos por vegetais, grãos e sementes. Ele acreditava que
deveríamos agir em prol do universo e da vida, e que não era justo
escravizar animais e fazer uso dos mesmos em benefícios à vida
humana.
O
sábado fora agradável e as horas passaram rapidamente, a velha
ampulheta parecia correr contra o tempo e logo anoitecera e a jovem
anfitriã fora para casa.
Na
semana seguinte Albert novamente fizera um convite à jovem colega, e
assim foi por semanas até que ele a pedira em namoro e ela aceitara.
Sua
rotina mudara drasticamente quando a moça começara a demonstrar ter
uma natureza vivaz e alegre, tirando assim Albert do comodismo e
fazendo com que reciclasse seu cotidiano rotineiro.
A
vida tornara-se leve feito uma pluma ao vento, e o sorriso começava
a brotar na pálida boca de Albert.
Não
demorou muito tempo até que Anita mudasse para a cabana de Albert. A
adaptação fora de um para o outro, Anita modificara alguns hábitos,
Albert outros e assim juntos consolidaram uma nova rotina para ambos.
Iam
todas as manhãs para o jornal, almoçavam em um restaurante central,
de tardinha voltavam ao lar. As vezes seguiam as mesmas ruas, outras
vezes exploravam caminhos diferentes, Albert rasgara o velho e
amarelado caderno de receitas e inovaram na cozinha.
Plantaram
novas hortaliças e algumas flores diferentes das que Albert
costumava cultivar.
Albert
mudou o penteado, e coloriu sutilmente seu armário dando um pouco de
vida ao seu figurino que antes era o mesmo.
Os
novos hábitos caíam feito uma luva em mão gélida em dia invernal
e logo transformavam-se outra vez em rotina.
E
a vida fluía naturalmente e seguia. Seguia como um curso de um rio
que ontem fora furioso e devastador e hoje calmo e sonolento.
Em
uma tarde de inverno Albert saíra para caminhar e Anita ficara
dormindo, quando Albert regressou ao lar foi até o quarto e
encontrou Anita desprovida de vida, seus pulsos estavam estagnados,
sua respiração inexistia. Anita morrera enquanto dormia.
Albert
se chocou e recusou acreditar naquele infortúnio que assolara sua
vida. Decidido a ignorar os fatos, fingiu nada ter visto, era como se
nada daquilo tivesse acontecido. O domingo findou, e na segunda feira
ele voltara ao trabalho. Os colegas o questionaram sobre a ausência
de Anita, no entanto Albert não se prolongou dando explicações e
disse apenas que a moça estava doente.
A
semana passou e Anita permanecia intacta na cama onde morrera. Albert
passava boa parte do tempo ao seu lado. Dormia entrelaçado ao gélido
cadáver, a cobria, escovava seus cabelos, seus dentes, maquiava-a,
aos finais de semana a colocava sentada na cadeira de balanço que
ficava na varanda da casa, local onde costumavam sentar e ficar
apreciando a exuberante natureza e paisagem pictórica do local.
Albert
carregava o mórbido coro de Anita para todos os lados, levava-o à
mesa para que o acompanhasse durante as refeições, levava ao
jardim, ao pomar, à varanda, colocava-o em uma cadeira de rodas, e
levava para passear. Estes hábitos estavam com os dias contados, seu
fim estava próximo, o corpo de Anita começava a ficar
insuportavelmente fétido, foi quando Albert teve uma recordação, o
amigo de infância que era biólogo e poderia ajudar a resolver o
problema. Este amigo vivia na capital e isso era tudo que Albert
sabia até o dado momento, conseguiu descobrir o endereço do velho
amigo e viajara até ele, chegando lá trocaram algumas palavras,
relembraram dos tempos de escola e Albert em seguida contara-lhe o
ocorrido e pedira ajuda. O amigo falou de uma injeção que tinha o
poder de enrijecer os músculos paralisando-os totalmente e evitando
o apodrecimento. Aí pareia estar a solução para s problemas de
Albert. Voltou para casa com a promessa de em seguida regressar à
capital trazendo o cadáver da esposa, e assim o fez. Em menos de uma
semana Albert viajara novamente até a capital para que o corpo da
amada recebesse o tratamento adequado para a situação. E assim fora
realizado o procedimento com sucesso dando assim vida eterna a copro
de Anita.
Albert
regressou à sua cidade com brilho nos olhos e ar de satisfação.
Agora a vida seguiria seu curso natural e harmônico. Depois disso
ele poderia transportar a amada pela casa, no quintal, e em qualquer
lugar que ele fosse, ela poderia acompanhá-lo como antigamente.
Um
dia o inesperado aconteceu, o chefe do jornal preocupado com Anita
resolvera ir até a casa de Albert visitá-la, chegando à cabana
deparou com uma cena cuja qual não queria acreditar. Albert e Anita
estavam sentados na varanda de casa. Mas aquilo não era real, não
poderia ser, Anita estava cadavérica, sem expressão facial e com o
corpo enrijecido, Anita esta morta pensou ele.
Com
dificuldade em acreditar no que seus olhos viam pensou que tinha
enlouquecido, logo caiu em si e percebera que quem havia perdido a
sanidade tinha sido Albert que além de ocultar o ocorrido, ocultou o
cadáver da esposa. Questionou-o a respeito, mas mal pode concluir a
frase interrogatória quando foi atacado por uma pá de jardim,
caindo ao chão imediatamente onde morrera em frente a seu assassino.
Albert
cavou um buraco nos fundos da cabana e lá depositou o corpo do
anfitrião.
O
pessoal do jornal estranhou seu sumiço, o chefe não havia dito que
viajaria, preocupados, comunicaram a polícia e pediram que fizessem
uma investigação, Albert continuava indo ao trabalho, desenvolvendo
suas atividades normalmente como se nada tivesse acontecido, mas em
seguida tornara-se suspeito, em um curto espaço de tempo duas
pessoas desapareceram, logo os policiais foram até sua casa para
fazer-lhe algumas perguntas. Quando chegaram à casa de Albert
ficaram estarrecidos com o que viram. A cena de Anita morta sentada
em uma cadeira de balanço na varanda da casa tomando sol os
aterrorizou profundamente, dando voz de prisão a Albert, no entanto
não podiam imaginar em qual seria a reação do homem insano,
solitário e apaixonado, cujas ações eram para ele puras e
desprovidas de qualquer maldade.
Antes
que o algemassem Albert atingira os policiais com uma arma de fogo
deixando-os estirados ao chão e esvaindo em sangue. Depois disso
Albert cavou um buraco em sua horta, depositando os corpos dos
policiais lá. O mistério aumentava a cada visita que Albert
recebia, ninguém regressava, no entanto nada podia ser provado
contra ele. Sendo assim, sua rotina seguia normalmente.
Sua
loucura o enclausurava em uma redoma de crimes. Acreditava fielmente
que seus atos criminosos eram por uma boa causa, eram em prol de sua
solidão, Albert não queria viver só, não admitia que tirassem
Anita de si, e isto o tornou um assassino frio.
Pensava
ele em quem teria tamanho atrevimento e crueldade em querer dar um
fim brutal ao corpo da amada, só quem não tivesse coração e não
conhecesse as profundezas do amor e de uma alma solitária.