segunda-feira, 18 de maio de 2015

A eterna solidão de Albert

Ele mantinha em si os mesmos velhos hábitos, acordava sempre no mesmo horário, tomava chá em um mesmo momento do dia, colhia flores pela manhã, cozinhava pratos repetidos e andava continuamente do mesmo lado da calçada.
Já faziam longos anos que trabalhava na mesma empresa e com o mesmo cargo. Nunca trocou o perfume, as roupas, os calçados e os poucos acessórios eram substituídos pelos mesmos quando os antigos não lhe serviam mais.
Era demasiadamente simplório e paradoxalmente complexo, não havia nada que ele mudasse em sua vida, os velhos hábitos tornavam a repetir e repetir incessantemente.
Por anos fora solitário, vivia em uma cabana um pouco afastada da civilização, cultivava seu pomar e suas flores com dedicação, durante a semana ficava horas na cidade devido ao trabalho. Gostava de andar a pé, era peculiarmente conhecido pelos mesmos trajes a léguas de distância e igualmente pelo caminhar leve, andava como que se estivesse pisando em nuvens. Pressa era algo que não conhecia, gostava de usufruir as pequenas coisas e tirar o máximo de proveito delas.
Perdera o contato com a família quando saíra de casa ainda muito jovem para estudar e servir ao serviço militar, nunca mais voltara, apenas para breves visitas e com o passar do tempo estas foram diminuindo, os irmãos mudaram-se para longe, os avós faleceram, os pais mudaram para um asilo em ma cidade distante. Aos poucos afastava-se mais de seus familiares e dos poucos amigos que tinha.
Depois de longos anos de solidão conhecera uma moça que trabalhava no jornal da cidade, esta era encantadora e misteriosa, parecia viver no mesmo universo distante e desprovido de grandes socializações.
Em uma tarde de sexta-feira depois do expediente, e posterior a uma semana cheia de trabalho Albert convidara a moça para um café no centro da cidade, a jovem aceitou o convite, o encontro fora breve e durara pouco mais de uma xícara de café e algumas poucas palavras.
Na semana seguinte Albert novamente convidara Anita, mas desta vez não para um café e sim para ir à sua casa. Deu-lhe o endereço anotado em um pequeno papel de almaço já bastante amarelado. A moça confirmou que o visitaria na manhã do sábado.
Albert a recebera com flores colhidas por ele de seu jardim, cozinhara e mostrara a ela coisas do tipo, uma minúscula janela aos fundos da cabana de onde observava seu jardim, seu pomar, suas fotografias, e um velho caderno de receitas de onde ele tirava seus pratos irreverentes.
Albert não se alimentava de cadáveres, seus cardápios eram puramente constituídos por vegetais, grãos e sementes. Ele acreditava que deveríamos agir em prol do universo e da vida, e que não era justo escravizar animais e fazer uso dos mesmos em benefícios à vida humana.
O sábado fora agradável e as horas passaram rapidamente, a velha ampulheta parecia correr contra o tempo e logo anoitecera e a jovem anfitriã fora para casa.
Na semana seguinte Albert novamente fizera um convite à jovem colega, e assim foi por semanas até que ele a pedira em namoro e ela aceitara.
Sua rotina mudara drasticamente quando a moça começara a demonstrar ter uma natureza vivaz e alegre, tirando assim Albert do comodismo e fazendo com que reciclasse seu cotidiano rotineiro.
A vida tornara-se leve feito uma pluma ao vento, e o sorriso começava a brotar na pálida boca de Albert.
Não demorou muito tempo até que Anita mudasse para a cabana de Albert. A adaptação fora de um para o outro, Anita modificara alguns hábitos, Albert outros e assim juntos consolidaram uma nova rotina para ambos.
Iam todas as manhãs para o jornal, almoçavam em um restaurante central, de tardinha voltavam ao lar. As vezes seguiam as mesmas ruas, outras vezes exploravam caminhos diferentes, Albert rasgara o velho e amarelado caderno de receitas e inovaram na cozinha.
Plantaram novas hortaliças e algumas flores diferentes das que Albert costumava cultivar.
Albert mudou o penteado, e coloriu sutilmente seu armário dando um pouco de vida ao seu figurino que antes era o mesmo.
Os novos hábitos caíam feito uma luva em mão gélida em dia invernal e logo transformavam-se outra vez em rotina.
E a vida fluía naturalmente e seguia. Seguia como um curso de um rio que ontem fora furioso e devastador e hoje calmo e sonolento.
Em uma tarde de inverno Albert saíra para caminhar e Anita ficara dormindo, quando Albert regressou ao lar foi até o quarto e encontrou Anita desprovida de vida, seus pulsos estavam estagnados, sua respiração inexistia. Anita morrera enquanto dormia.
Albert se chocou e recusou acreditar naquele infortúnio que assolara sua vida. Decidido a ignorar os fatos, fingiu nada ter visto, era como se nada daquilo tivesse acontecido. O domingo findou, e na segunda feira ele voltara ao trabalho. Os colegas o questionaram sobre a ausência de Anita, no entanto Albert não se prolongou dando explicações e disse apenas que a moça estava doente.
A semana passou e Anita permanecia intacta na cama onde morrera. Albert passava boa parte do tempo ao seu lado. Dormia entrelaçado ao gélido cadáver, a cobria, escovava seus cabelos, seus dentes, maquiava-a, aos finais de semana a colocava sentada na cadeira de balanço que ficava na varanda da casa, local onde costumavam sentar e ficar apreciando a exuberante natureza e paisagem pictórica do local.
Albert carregava o mórbido coro de Anita para todos os lados, levava-o à mesa para que o acompanhasse durante as refeições, levava ao jardim, ao pomar, à varanda, colocava-o em uma cadeira de rodas, e levava para passear. Estes hábitos estavam com os dias contados, seu fim estava próximo, o corpo de Anita começava a ficar insuportavelmente fétido, foi quando Albert teve uma recordação, o amigo de infância que era biólogo e poderia ajudar a resolver o problema. Este amigo vivia na capital e isso era tudo que Albert sabia até o dado momento, conseguiu descobrir o endereço do velho amigo e viajara até ele, chegando lá trocaram algumas palavras, relembraram dos tempos de escola e Albert em seguida contara-lhe o ocorrido e pedira ajuda. O amigo falou de uma injeção que tinha o poder de enrijecer os músculos paralisando-os totalmente e evitando o apodrecimento. Aí pareia estar a solução para s problemas de Albert. Voltou para casa com a promessa de em seguida regressar à capital trazendo o cadáver da esposa, e assim o fez. Em menos de uma semana Albert viajara novamente até a capital para que o corpo da amada recebesse o tratamento adequado para a situação. E assim fora realizado o procedimento com sucesso dando assim vida eterna a copro de Anita.
Albert regressou à sua cidade com brilho nos olhos e ar de satisfação. Agora a vida seguiria seu curso natural e harmônico. Depois disso ele poderia transportar a amada pela casa, no quintal, e em qualquer lugar que ele fosse, ela poderia acompanhá-lo como antigamente.
Um dia o inesperado aconteceu, o chefe do jornal preocupado com Anita resolvera ir até a casa de Albert visitá-la, chegando à cabana deparou com uma cena cuja qual não queria acreditar. Albert e Anita estavam sentados na varanda de casa. Mas aquilo não era real, não poderia ser, Anita estava cadavérica, sem expressão facial e com o corpo enrijecido, Anita esta morta pensou ele.
Com dificuldade em acreditar no que seus olhos viam pensou que tinha enlouquecido, logo caiu em si e percebera que quem havia perdido a sanidade tinha sido Albert que além de ocultar o ocorrido, ocultou o cadáver da esposa. Questionou-o a respeito, mas mal pode concluir a frase interrogatória quando foi atacado por uma pá de jardim, caindo ao chão imediatamente onde morrera em frente a seu assassino.
Albert cavou um buraco nos fundos da cabana e lá depositou o corpo do anfitrião.
O pessoal do jornal estranhou seu sumiço, o chefe não havia dito que viajaria, preocupados, comunicaram a polícia e pediram que fizessem uma investigação, Albert continuava indo ao trabalho, desenvolvendo suas atividades normalmente como se nada tivesse acontecido, mas em seguida tornara-se suspeito, em um curto espaço de tempo duas pessoas desapareceram, logo os policiais foram até sua casa para fazer-lhe algumas perguntas. Quando chegaram à casa de Albert ficaram estarrecidos com o que viram. A cena de Anita morta sentada em uma cadeira de balanço na varanda da casa tomando sol os aterrorizou profundamente, dando voz de prisão a Albert, no entanto não podiam imaginar em qual seria a reação do homem insano, solitário e apaixonado, cujas ações eram para ele puras e desprovidas de qualquer maldade.
Antes que o algemassem Albert atingira os policiais com uma arma de fogo deixando-os estirados ao chão e esvaindo em sangue. Depois disso Albert cavou um buraco em sua horta, depositando os corpos dos policiais lá. O mistério aumentava a cada visita que Albert recebia, ninguém regressava, no entanto nada podia ser provado contra ele. Sendo assim, sua rotina seguia normalmente.
Sua loucura o enclausurava em uma redoma de crimes. Acreditava fielmente que seus atos criminosos eram por uma boa causa, eram em prol de sua solidão, Albert não queria viver só, não admitia que tirassem Anita de si, e isto o tornou um assassino frio.


Pensava ele em quem teria tamanho atrevimento e crueldade em querer dar um fim brutal ao corpo da amada, só quem não tivesse coração e não conhecesse as profundezas do amor e de uma alma solitária.

domingo, 10 de maio de 2015

A última tempestade




A tormenta se aproximava, o andarilho apressava o passo. Um pássaro o assombrou na tarde que se transfigurava em noite. Seu grito de pavor o amedrontou e ele se refugiou em um grande túnel. A chuva começava cair violentamente e ele ficara ali estagnado olhando os pingos agressivos despencarem do árido céu.
O passageiro cansado de esperar começara a caminhar sob o céu turvo. Andou muito e encontrou uma cabana em meio ao nada, ao redor dela haviam poucas árvores gigantescas, ali o homem se abrigou, e lá fora a tempestade continuava.
A velha cabana começara a desmanchar-se junto à furiosa tempestade, a forte chuva caía na cabeça do andarilho que saía dali a passos largos. O homem andou mais um pouco e encontrou uma árvore que o abrigou por um tempo curto enquanto a tempestade dava uma trégua, mas logo após a parada a violência celestial vinha do alto para baixo como um abismo insólito. Ele seguia e acreditava que logo encontraria um abrigo temporário até que a tempestade findasse e ele pudesse seguir seu caminho tranquilamente. Depois de um tempo caminhando avistou um sobrado, do lado dele havia um grande lago onde refletiam os trovões e o céu reluzia roxo ofuscando lhes os olhos, do lado do lago havia um cavalo negro, o andarilho montou no cavalo e seguiu rumo à cidade. A tempestade se afastava à medida que o dia amanhecia, o homem chegara em casa e de lá pôde ver pela janela os raios que antes via de perto.
Tomou um banho quente, alimentou-se e adormeceu. Na manhã seguinte saíra logo cedo e caminhara rumo ao local de onde havia encontrado o cavalo, queria levá-lo de volta. Era uma manhã gelada, mal sentia suas mãos, seus pés pareciam estar congelados. Os passos do cavalo rangiam a terra gélida, a neve cobria-lhe as patas e o homem mal conseguia enxergar tamanho era o nevoeiro.
No caminho em meio ao cinza sombrio do nevoeiro encontrara um homem velho que caminhava devagar. Na medida que se aproximava seus passos ficavam mais agressivos, lentamente mais agressivos. Finalmente cruzaram um o caminho do outro, o homem escondia-se por detrás das vestes invernais, seus olhos mal podiam ser vistos, mas o pouco que se pôde ver fora o suficiente para aterrorizar a alma gelada do andarilho naquela fria manhã invernal. O  viajante da nevasca tinha olhar mórbido, horripilante, seus olhos refletiam a morte. O velho transparecia ausência de vida, sua alma fedia e espalhava podridão, cambaleava na neve e o ar era denso. O homem parou o cavalo e perguntou se o velho precisava de ajuda, este o olhou profundamente e respondeu que jazia em vida, e que apenas buscava um lugar para repousar a velha carcaça cansada. Então o homem seguiu, depois de alguns passos olhou sutilmente para trás e o velho sumira no nevoeiro.