domingo, 20 de setembro de 2015

Solidão e loucura



Era uma noite bonita e estrelada, o brilho da lua ofuscava os olhos de quem a olhasse. Ele, não se sentia bem, parou por horas e ficara olhando para o vazio, muitas perguntas ao amplo infinito, mas sem nenhuma resposta. Decidira deitar-se entre a velha bagunça, da qual não se desfazia e tentar adormecer, mas o sono não vinha, tamanho era seu desgosto, que, nem ao menos dormir sentia-se capaz, usou alguns artifícios para que ao menos isso, conseguisse fazer.
Só assim, com ainda muita dificuldade conseguira entranhar no mundo dos sonhos, onde a vida era acessível e ilusória.
Fez-se o dia, o sol escaldante, fazia com que as pessoas caminhassem pelas ruas feito moribundas. Ele não se animara a sair nem ao menos para comprar pão e leite, já há tempos também não acompanhava o noticiário pelo jornal, hábito antigo que abandonara.
Antigamente, tinha hábitos que faziam sentido, colhia flores pela manhã, passava o café e lia o jornal com as notícias locais, mantinha-se informado a respeito dos acontecimentos locais, cultivava algumas amizades,reunia alguns parceiros de jogatina semanalmente, tinha um cardápio alimentar bem incrementado, usando legumes cultivados por ele em sua pequena horta. Nada mais disso existia, é como se todos estes velhos costumes tivessem abandonado-o, deixando-o frívolo e desencantado com a vida.
O mundo a ele se tornara hostil, inabitável, e por consequência desinteressante, tudo o que via eram velhos muros cinzas, árvores velhas e podres, um céu sem nuvens e jardins mórbidos, exalando um perfume mortífero, e com aspecto cadavérico.
Sua mente absorvia aquela atmosfera malevolente, seus desejos estavam enterrados em uma terra seca e improdutiva, de onde nenhum sonho poderia brotar. O niilismo se apossava daquela velha alma, que de jovem passava a anciã, como num piscar de olhos.
Um sopro lhe chegava ao ouvido, perguntava-se havia enlouquecido, deste sopro gélido palavras nebulosas adentravam seus tímpanos, causando sensação de loucura imediata. Fora tomado de compulsão neste instante, levando-o ao isolamento crônico em sua casa doente. Já não saia, não comia, nem bebia, tampouco dormia, vozes o atormentavam, gritos vindos do além, visões fantasmagóricas, era o ápice. Estava comprovado, a loucura tomara seu corpo, e o tirava da realidade negativamente inebriante.
E dias após dia, aquela sensação de insanidade invadia sua mente que devido a sua instabilidade física e psicológica. Sua saúde não era a mesma e ele não sabia como lidar com aquilo, então afastara-se do mundo, das pessoas, dos amigos, mantinha apenas um fiel empregado que cuidara dele com zelo e preparava-lhe os alimentos.
A casa parecia mais um mausoléu a qualquer outra coisa. Tinha características anormais e indefinidas, se diferenciava das demais, era afastada, construída pelos seus antepassados, carregava uma atmosfera densa e inquietante, poder-se-ia dizer que ela tinha vida e personalidade. O mordomo era a única coisa que se encontrava em estado vivo na velha mansão dos Lönhorff.
Numa tarde desprezível onde Carlos mergulhava em delírios escaldantes, anunciara uma tormenta, repentinamente o céu fora coberto por nuvens acinzentadas carregadas de pessimismo, o vento gemia aos quatro cantos da velha casa, o mordomo fechara os poucos orifícios que ainda se encontravam entreabertos. A casa tremia constantemente, foi quando então Carlos avistara ao longe um cavalo negro de pelos tão brilhantes quanto um diamante, pensara consigo quem poderia ser, há muito tempo não recebia visitas e nem fazia questão de ser anfitrião de quem quer que seja.
O cavalo se aproximou da mansão e o cavalheiro distinto descera com sutileza e elegância há tempos não vista pelas redondezas. Aproximou-se da casa subindo a íngreme escada de pedras e cumprimentou o velho amigo, Carlos demorara para reconhecer o inseparável parceiro de sua doce infância, sentiu por um instante um raio de felicidade instantânea ao reconhecer o velho e nobre amigo.
Alberto fora convidado a adentrar à casa e partilhar de uma ceia em homenagem à sua ilustre visita, então o mordomo começara a preparar o banquete, as flores, a bebida, as velas e todo o resto. Enquanto isso Carlos e Alberto resguardavam-se na biblioteca da mansão, e conversavam sobre o tempo, a infância, os acontecimentos, o desaparecimento de suas famílias e o afastamento dos amigos.
Carlos abrira um velho vinho para celebrar a nobre visita do amigo enquanto fumavam charutos e jogavam uma partida de xadrez até que o jantar ficasse pronto, relembraram dos tempos onde aprenderam e colocavam em prática o jogo, e sempre apostavam qual sabia mais e qual ganharia a partida. E assim foram-se algumas horas conversando e jogando, até que o jantar fora servido e os velhos amigos partilhavam aquela ceia sublime.
Logo após o jantar seguiram bebendo e jogando o velho xadrez, com seus quadrados já desbotados pela ação do tempo, a tormenta parecia acalmar-se, a chuva caia e era como música para aquele momento tão peculiar, as velas ameaçavam apagar-se de tempos em tempos por causa do vento que adentrava a mórbida casa e o jogo começava a ganhar um tom de seriedade.
As lembranças das antigas jogatinas refrescou a memória de Alberto enquanto Carlos continuava concentrado em suas estratégias a fim de ganhar o jogo. Então na medida que moviam as peças, Alberto ia acrescentando uma nova velha lembrança acerca das antigas jogatinas.
O passado cada vez mais se aproximava daquela noite onde os amigos celebravam o reencontro e relembravam acontecimentos antigos. A cada peça movida, uma recordação se opunha durante aquela partida de xadrez. As horas passaram e já era madrugada, foi quando Alberto retirou-se da biblioteca e retornou com um machado e assim dando fim ao jogo.






sábado, 29 de agosto de 2015

Santo infiel



Ele era um homem esguio, de olhos melancólicos, aparência misteriosa, um semblante único, percebia se a profundidade de seus olhos a uma distância minuciosamente considerável. Sua mente era indecifrável, seus atos eram solenes e discretos. Sua estada na antiga e pequena cidade não contava mais de dez dias. A população o olhava com curiosidade, desejo de saber quem era o misterioso visitante da velha aldeia afastada da urbanização, que ainda cultivava hábitos peculiares e simplórios.

Ele caminhava todas as manhãs fazendo o mesmo trajeto, partia da pousada onde hospedara- se, ia até a venda ler o jornal com as longínquas notícias advindas da hostil civilização, pedia um café e seguia, andava mais, ia até um velho parque abandonado, sentava no balanço que rangia e denunciava o homem que ali repousava depois de uma longa jornada pela cidade habitada por camponeses que passam a vida a se dedicar a vida simples exigida pelo campo. Camponeses demasiadamente humildes e que tamanha ingenuidade não permitia perceber qualquer maldade entre os homens.

Alguns dias se passaram e por meio de um ato convocatório toda a população fora convidada a comparecer na missa do próximo sábado para que o novo sacerdote lhes fosse apresentado. Eis que a noite chegara e o misterioso cavalheiro era apresentado aos súditos. O povo ficara surpreso com a boa nova, o homem parecia sério o suficiente para assumir a igreja do local. No entanto continuava sendo um mistério para os aldeões que ali habitavam.

A missa fora celebrada já pelo novo pároco que se mostrava atencioso e dedicado para com seus novos fiéis, enfatizando a importância de ir à missa, doar parte de seu tempo para a casa divina, compartilhando com seus irmãos a fé e servindo a deus como ser supremo e necessário. E assim acontecera, os fiéis distantes começavam a se reaproximar da casa do senhor feito ovelhas obedientes ao seu pastor em um grande rebanho distribuído harmonicamente entre os verdes pastos.

E a velha aldeia aos poucos ia adquirindo uma nova aparência, nova textura e novo caráter. O clima ia se transformando, fora sacudida bruscamente pelo novo padre e este parece ter o poder de disseminar o amor e a benevolência entre os homens, banindo todo e qualquer ato maléfico e o desejo de fazê-lo.

Em um breve espaço temporal, o padre reativara a antiga casa que há séculos atrás abrigava moradores de rua e que com o passar dos anos fora desativada por falta de incentivo público e verbas para manter o recinto. Fizera uma horta comunitária, inserira em seus fieis a compaixão para com o próximo, fazendo com que as pessoas adquirissem novos hábitos que talvez por falta de atenção, egoísmo ou esquecimento não eram praticados antes, como doar aquilo que não lhes serve mais, almoços comunitários para os menos favorecidos, visita à casa de doentes. E assim a aldeia fora metamorfoseando positivamente em prol de pessoas com valores e ações diferentes. Pessoas humanas, com boas intenções, e libertas do egocentrismo e individualismo pregado nos grandes centros. O padre conhecera bem este tipo urbano individual e com o ego inflado, convivera com muitos quando ainda viva na cidade. Ele considerava que o homem só era puro quando suas ações não fossem para beneficiar somente a si, e quando agira com boa fé, desprendendo-se do ego.

Os meses foram passando, chegava à primavera, acabava o verão, os outonos se aproximavam, os anos e os invernos rigorosos também. E tudo fluía harmonicamente na aldeia com excessivo calor humano.

Na medida em que o tempo passava o jovem padre ia se familiarizando mais com os humildes camponeses, era convidado para almoços, jantares, festas de aniversários, datas comemorativas e outras confraternizações da comunidade.

O pároco desenvolvera forte amizade em especial com um camponês cujo casamento fora realizado e abençoado pelo padre. Este camponês era grato demasiadamente ao padre por ter realizado o seu casamento, por ter falado com o pai da noiva, que antes do ato consumado era contra a união do casal. Não fora uma tarefa fácil, pelo contrário, fora árdua, o pai da noiva estava decidido a afastá-la de seu pretendente, planejando mandar a jovem para a cidade, onde estudaria em um convento. No entanto o padre com paciência, dedicação, educação e boa retórica conseguira convencer o homem a permitir o casamento dos amantes. Depois da união, o padre tornara-se como um membro da família do jovem casal.

O relógio seguia seu tempo natural e a vida das pessoas seguia como um rio pacato. Durante um encontro na igreja, em um ato grotesco e infalível o melhor amigo do padre entrara no recinto sagrado atirando no padre que ministrava a missa. Foram dois tiros no peito do pároco que o deixaram estendido ao chão e o sangue começara a espalhar-se pela igreja atingindo os pés dos fieis que gritavam desesperadamente.

O homem gritara que justiça tinha sido feita, que o padre não iria mais trair a confiança de nenhum outro homem. Os fieis saíram da igreja a passos largos rumo à casa do homem, lá, ao chão encontraram sua jovem esposa perfurada e sangrando violentamente.









segunda-feira, 18 de maio de 2015

A eterna solidão de Albert

Ele mantinha em si os mesmos velhos hábitos, acordava sempre no mesmo horário, tomava chá em um mesmo momento do dia, colhia flores pela manhã, cozinhava pratos repetidos e andava continuamente do mesmo lado da calçada.
Já faziam longos anos que trabalhava na mesma empresa e com o mesmo cargo. Nunca trocou o perfume, as roupas, os calçados e os poucos acessórios eram substituídos pelos mesmos quando os antigos não lhe serviam mais.
Era demasiadamente simplório e paradoxalmente complexo, não havia nada que ele mudasse em sua vida, os velhos hábitos tornavam a repetir e repetir incessantemente.
Por anos fora solitário, vivia em uma cabana um pouco afastada da civilização, cultivava seu pomar e suas flores com dedicação, durante a semana ficava horas na cidade devido ao trabalho. Gostava de andar a pé, era peculiarmente conhecido pelos mesmos trajes a léguas de distância e igualmente pelo caminhar leve, andava como que se estivesse pisando em nuvens. Pressa era algo que não conhecia, gostava de usufruir as pequenas coisas e tirar o máximo de proveito delas.
Perdera o contato com a família quando saíra de casa ainda muito jovem para estudar e servir ao serviço militar, nunca mais voltara, apenas para breves visitas e com o passar do tempo estas foram diminuindo, os irmãos mudaram-se para longe, os avós faleceram, os pais mudaram para um asilo em ma cidade distante. Aos poucos afastava-se mais de seus familiares e dos poucos amigos que tinha.
Depois de longos anos de solidão conhecera uma moça que trabalhava no jornal da cidade, esta era encantadora e misteriosa, parecia viver no mesmo universo distante e desprovido de grandes socializações.
Em uma tarde de sexta-feira depois do expediente, e posterior a uma semana cheia de trabalho Albert convidara a moça para um café no centro da cidade, a jovem aceitou o convite, o encontro fora breve e durara pouco mais de uma xícara de café e algumas poucas palavras.
Na semana seguinte Albert novamente convidara Anita, mas desta vez não para um café e sim para ir à sua casa. Deu-lhe o endereço anotado em um pequeno papel de almaço já bastante amarelado. A moça confirmou que o visitaria na manhã do sábado.
Albert a recebera com flores colhidas por ele de seu jardim, cozinhara e mostrara a ela coisas do tipo, uma minúscula janela aos fundos da cabana de onde observava seu jardim, seu pomar, suas fotografias, e um velho caderno de receitas de onde ele tirava seus pratos irreverentes.
Albert não se alimentava de cadáveres, seus cardápios eram puramente constituídos por vegetais, grãos e sementes. Ele acreditava que deveríamos agir em prol do universo e da vida, e que não era justo escravizar animais e fazer uso dos mesmos em benefícios à vida humana.
O sábado fora agradável e as horas passaram rapidamente, a velha ampulheta parecia correr contra o tempo e logo anoitecera e a jovem anfitriã fora para casa.
Na semana seguinte Albert novamente fizera um convite à jovem colega, e assim foi por semanas até que ele a pedira em namoro e ela aceitara.
Sua rotina mudara drasticamente quando a moça começara a demonstrar ter uma natureza vivaz e alegre, tirando assim Albert do comodismo e fazendo com que reciclasse seu cotidiano rotineiro.
A vida tornara-se leve feito uma pluma ao vento, e o sorriso começava a brotar na pálida boca de Albert.
Não demorou muito tempo até que Anita mudasse para a cabana de Albert. A adaptação fora de um para o outro, Anita modificara alguns hábitos, Albert outros e assim juntos consolidaram uma nova rotina para ambos.
Iam todas as manhãs para o jornal, almoçavam em um restaurante central, de tardinha voltavam ao lar. As vezes seguiam as mesmas ruas, outras vezes exploravam caminhos diferentes, Albert rasgara o velho e amarelado caderno de receitas e inovaram na cozinha.
Plantaram novas hortaliças e algumas flores diferentes das que Albert costumava cultivar.
Albert mudou o penteado, e coloriu sutilmente seu armário dando um pouco de vida ao seu figurino que antes era o mesmo.
Os novos hábitos caíam feito uma luva em mão gélida em dia invernal e logo transformavam-se outra vez em rotina.
E a vida fluía naturalmente e seguia. Seguia como um curso de um rio que ontem fora furioso e devastador e hoje calmo e sonolento.
Em uma tarde de inverno Albert saíra para caminhar e Anita ficara dormindo, quando Albert regressou ao lar foi até o quarto e encontrou Anita desprovida de vida, seus pulsos estavam estagnados, sua respiração inexistia. Anita morrera enquanto dormia.
Albert se chocou e recusou acreditar naquele infortúnio que assolara sua vida. Decidido a ignorar os fatos, fingiu nada ter visto, era como se nada daquilo tivesse acontecido. O domingo findou, e na segunda feira ele voltara ao trabalho. Os colegas o questionaram sobre a ausência de Anita, no entanto Albert não se prolongou dando explicações e disse apenas que a moça estava doente.
A semana passou e Anita permanecia intacta na cama onde morrera. Albert passava boa parte do tempo ao seu lado. Dormia entrelaçado ao gélido cadáver, a cobria, escovava seus cabelos, seus dentes, maquiava-a, aos finais de semana a colocava sentada na cadeira de balanço que ficava na varanda da casa, local onde costumavam sentar e ficar apreciando a exuberante natureza e paisagem pictórica do local.
Albert carregava o mórbido coro de Anita para todos os lados, levava-o à mesa para que o acompanhasse durante as refeições, levava ao jardim, ao pomar, à varanda, colocava-o em uma cadeira de rodas, e levava para passear. Estes hábitos estavam com os dias contados, seu fim estava próximo, o corpo de Anita começava a ficar insuportavelmente fétido, foi quando Albert teve uma recordação, o amigo de infância que era biólogo e poderia ajudar a resolver o problema. Este amigo vivia na capital e isso era tudo que Albert sabia até o dado momento, conseguiu descobrir o endereço do velho amigo e viajara até ele, chegando lá trocaram algumas palavras, relembraram dos tempos de escola e Albert em seguida contara-lhe o ocorrido e pedira ajuda. O amigo falou de uma injeção que tinha o poder de enrijecer os músculos paralisando-os totalmente e evitando o apodrecimento. Aí pareia estar a solução para s problemas de Albert. Voltou para casa com a promessa de em seguida regressar à capital trazendo o cadáver da esposa, e assim o fez. Em menos de uma semana Albert viajara novamente até a capital para que o corpo da amada recebesse o tratamento adequado para a situação. E assim fora realizado o procedimento com sucesso dando assim vida eterna a copro de Anita.
Albert regressou à sua cidade com brilho nos olhos e ar de satisfação. Agora a vida seguiria seu curso natural e harmônico. Depois disso ele poderia transportar a amada pela casa, no quintal, e em qualquer lugar que ele fosse, ela poderia acompanhá-lo como antigamente.
Um dia o inesperado aconteceu, o chefe do jornal preocupado com Anita resolvera ir até a casa de Albert visitá-la, chegando à cabana deparou com uma cena cuja qual não queria acreditar. Albert e Anita estavam sentados na varanda de casa. Mas aquilo não era real, não poderia ser, Anita estava cadavérica, sem expressão facial e com o corpo enrijecido, Anita esta morta pensou ele.
Com dificuldade em acreditar no que seus olhos viam pensou que tinha enlouquecido, logo caiu em si e percebera que quem havia perdido a sanidade tinha sido Albert que além de ocultar o ocorrido, ocultou o cadáver da esposa. Questionou-o a respeito, mas mal pode concluir a frase interrogatória quando foi atacado por uma pá de jardim, caindo ao chão imediatamente onde morrera em frente a seu assassino.
Albert cavou um buraco nos fundos da cabana e lá depositou o corpo do anfitrião.
O pessoal do jornal estranhou seu sumiço, o chefe não havia dito que viajaria, preocupados, comunicaram a polícia e pediram que fizessem uma investigação, Albert continuava indo ao trabalho, desenvolvendo suas atividades normalmente como se nada tivesse acontecido, mas em seguida tornara-se suspeito, em um curto espaço de tempo duas pessoas desapareceram, logo os policiais foram até sua casa para fazer-lhe algumas perguntas. Quando chegaram à casa de Albert ficaram estarrecidos com o que viram. A cena de Anita morta sentada em uma cadeira de balanço na varanda da casa tomando sol os aterrorizou profundamente, dando voz de prisão a Albert, no entanto não podiam imaginar em qual seria a reação do homem insano, solitário e apaixonado, cujas ações eram para ele puras e desprovidas de qualquer maldade.
Antes que o algemassem Albert atingira os policiais com uma arma de fogo deixando-os estirados ao chão e esvaindo em sangue. Depois disso Albert cavou um buraco em sua horta, depositando os corpos dos policiais lá. O mistério aumentava a cada visita que Albert recebia, ninguém regressava, no entanto nada podia ser provado contra ele. Sendo assim, sua rotina seguia normalmente.
Sua loucura o enclausurava em uma redoma de crimes. Acreditava fielmente que seus atos criminosos eram por uma boa causa, eram em prol de sua solidão, Albert não queria viver só, não admitia que tirassem Anita de si, e isto o tornou um assassino frio.


Pensava ele em quem teria tamanho atrevimento e crueldade em querer dar um fim brutal ao corpo da amada, só quem não tivesse coração e não conhecesse as profundezas do amor e de uma alma solitária.

domingo, 10 de maio de 2015

A última tempestade




A tormenta se aproximava, o andarilho apressava o passo. Um pássaro o assombrou na tarde que se transfigurava em noite. Seu grito de pavor o amedrontou e ele se refugiou em um grande túnel. A chuva começava cair violentamente e ele ficara ali estagnado olhando os pingos agressivos despencarem do árido céu.
O passageiro cansado de esperar começara a caminhar sob o céu turvo. Andou muito e encontrou uma cabana em meio ao nada, ao redor dela haviam poucas árvores gigantescas, ali o homem se abrigou, e lá fora a tempestade continuava.
A velha cabana começara a desmanchar-se junto à furiosa tempestade, a forte chuva caía na cabeça do andarilho que saía dali a passos largos. O homem andou mais um pouco e encontrou uma árvore que o abrigou por um tempo curto enquanto a tempestade dava uma trégua, mas logo após a parada a violência celestial vinha do alto para baixo como um abismo insólito. Ele seguia e acreditava que logo encontraria um abrigo temporário até que a tempestade findasse e ele pudesse seguir seu caminho tranquilamente. Depois de um tempo caminhando avistou um sobrado, do lado dele havia um grande lago onde refletiam os trovões e o céu reluzia roxo ofuscando lhes os olhos, do lado do lago havia um cavalo negro, o andarilho montou no cavalo e seguiu rumo à cidade. A tempestade se afastava à medida que o dia amanhecia, o homem chegara em casa e de lá pôde ver pela janela os raios que antes via de perto.
Tomou um banho quente, alimentou-se e adormeceu. Na manhã seguinte saíra logo cedo e caminhara rumo ao local de onde havia encontrado o cavalo, queria levá-lo de volta. Era uma manhã gelada, mal sentia suas mãos, seus pés pareciam estar congelados. Os passos do cavalo rangiam a terra gélida, a neve cobria-lhe as patas e o homem mal conseguia enxergar tamanho era o nevoeiro.
No caminho em meio ao cinza sombrio do nevoeiro encontrara um homem velho que caminhava devagar. Na medida que se aproximava seus passos ficavam mais agressivos, lentamente mais agressivos. Finalmente cruzaram um o caminho do outro, o homem escondia-se por detrás das vestes invernais, seus olhos mal podiam ser vistos, mas o pouco que se pôde ver fora o suficiente para aterrorizar a alma gelada do andarilho naquela fria manhã invernal. O  viajante da nevasca tinha olhar mórbido, horripilante, seus olhos refletiam a morte. O velho transparecia ausência de vida, sua alma fedia e espalhava podridão, cambaleava na neve e o ar era denso. O homem parou o cavalo e perguntou se o velho precisava de ajuda, este o olhou profundamente e respondeu que jazia em vida, e que apenas buscava um lugar para repousar a velha carcaça cansada. Então o homem seguiu, depois de alguns passos olhou sutilmente para trás e o velho sumira no nevoeiro.



domingo, 15 de março de 2015

Girassóis despedaçados

Era pontualmente 16 horas, os ponteiros do relógio marcavam exatamente o horário do encontro deles no velho parque central da mórbida cidade cinza. Fazia alguns anos, alguns anos que haviam se perdido por caminhos entrecruzados da vida. Foi quando em uma tarde outonal ele passeava com o cão pelas calçadas centrais da cidade quase invisível e adormecida e a encontrara coincidentemente saindo de um café.
Não acreditou, não pode crer no que seus olhos viam, não hesitou e aproximou-se dela e perguntou quem era, explicando que conhecera uma moça a muitos anos atrás semelhantemente igual a ela, mas não achava que fosse possível, visto que as pessoas envelhecem e Margarida deveria estar com um aspecto menos jovial que o da moça em questão.
Seus olhos arregalaram, sua respiração diminuíra quando a jovem confirmara chamar-se Margarida. Não, não podia ser pensou ele. A moça não o reconheceu imediatamente, depois de alguns minutos de conversa o identificou, o diálogo fora breve, ele estava apressado e ela tinha um compromisso, mas não deixaram de marcar um encontro para conversar. E assim foi, marcaram para alguns dias depois no parque central.
Os dias passaram e o dia chegou, e lá estava ele usando um casaco preto, usava cachecol cinza, e fumava enquanto a esperava. Ele quase se camuflava com o cinza da cidade, o local estava abandonado, poucos o visitavam, os bancos estavam enferrujados, as árvores tristemente enfadonhas e o parque decrépito jazendo lentamente com as idas e vindas das estações do ano.
Alguns minutos de atraso e ele acabara seu cigarro, dera uma volta e retornara ao mesmo local. Ah, finalmente avistara seu vulto em negros trajes discretos, o cabelo esvoaçante, passos leves, parecia flutuar. Ventava muito naquela tarde e quanto ao sol, ah meu caro, esta estação do ano ele pouco surge ao horizonte, mas esporadicamente surgia e tornava a desaparecer tão espontâneo e sutil, tão breve.
Ela chegou, seu perfume delicadamente estonteante o deixara sem palavras por alguns segundos, apenas a fitara ainda sem crer em sua presença ali, bem diante de seus olhos, no velho parque onde muito se divertiram na infância abandonada, tão abandonada em memória quanto o parque hostil.
George encabulado pediu se podia abraçar Margarida, a moça respondeu que sim, ela não compreendia o real motivo de todo o nervosismo que percebera no jovem, pensava ela que tal comportamento fosse exagerado e desnecessário. Afinal, não passavam de amigos de infância, crianças que desfrutavam suas horas brincando no parque central. Mas para George a velha infância que para Margarida estava enterrada no passado e esquecida em memória era tão importante quanto o respirar de um ser vivo, sem o ar ele morre, e para George reencontrar Margarida era como voltar a respirar.
Sentaram-se nos velhos balanços que rangiam estrondosamente, os balanços moviam-se lentamente, e George e Margarida conversavam coisas triviais. George queria saber sobre Margarida, a jovem ia respondendo suas perguntas e nada perguntava. De repente começara a se irritar com a situação e despedira-se de George e saíra caminhando rapidamente. George correu atrás da moça que o ignorara. Ele, revoltado com o comportamento de Margarida fora embora.
Dias se passaram e em um dos passeios de Margarida George cruzara o seu caminho, ela caminhava sob um penhasco, ventava muito e George lhe dera girassóis e se desculpara pelo episódio de dias atrás, Margarida agradeceu pelas flores e disse que não tinha nada a falar sobre o assunto, que até já havia esquecido.
Pela segunda vez, e sem intenções de feri-lo, George sentiu-se massacrado por Margarida, não hesitando, empurrou-a do penhasco, seu corpo flutuava entre girassóis que como em câmera lenta desfocada mesclavam cores, sons e corpos despedaçados.






A construção de um anti herói

Um homem solitário vivendo paralelamente à sociedade, ele mantém poucos amigos, analisa tudo e todos, pensa na miséria que é pregada pela burguesia, pensa o quão bitolados aqueles que só querem ter, possuir, adquirir, a valorização do material. E a alma? Quem cuida da sua alma? Uma alma doente em um corpo sadio. Este homem se sente excluído e considerado um louco por muitos. Ele consegue se diferenciar em praticamente tudo. Ele tem outros valores, e enxerga a vida de um modo completamente diferente. E a sociedade em geral atribui os valores burgueses para si. Este homem é solitário, ele prefere que assim seja. Ele olha para o mundo idiotizado e enxerga pessoas idiotas. Ele não se sente como parte daquilo. É como se fosse outra esfera, outra dimensão.
Ele se considera inteligente e não faz nada, não se move, apenas pensa, pensa e pensa...
Ele vive seus dias ancorado pelo niilismo, pela descrença e desprovido de esperança.
Um anti herói não é um cidadão que ‘segue’ as leis e nem é um praticamente da moral. Ele vê o mundo e se insere nele de um modo ácido. Seu humor é como um dia nublado. Suas alegrias são em tons pastel. Nunca ri alto e jamais será popular.
Seus trajes escuros, despreocupados com a vaidade, intensos naquilo que fazem fiéis em seus ideais. Assim são eles. Em alguma esquina, você encontrará algum.

sábado, 14 de março de 2015

O bosque das hortaliças

O homem andava pela silenciosa noite na alameda escura, em seguida a chuva caia bravamente e molhava-lhe os ombros cansados. Era sexta feira e ele havia saído de casa para embriagar-se e comprar cigarros. A noite mal começava.
Depois de andar muito pela alameda, ao final dela encontrou um pequeno hotel, adentrou o recinto e averiguou se tinha vaga para aquela noite chuvosa. Logo que fora atendido pela recepcionista subira até o quarto andar e acomodara se em uma cama, esta parecia não receber hospedes há séculos, os lençóis cheiravam a mofo, ou pior, fediam à morte.
Antes de deitar fumou um cigarro, o que fez com que o quarto parecesse vivo, a fumaça espalhava-se pelo pequeno recinto trazendo consigo algum tipo de sinal de vida. Adormecera, finalmente conseguira repousar e descansar a pobre alma que perambulava por muito tempo em busca de paz e conforto. Algumas horas lhes eram suficientes para que seu corpo mórbido se regenerasse e pudesse sair pelo amanhecer.
Amanheceu e a cabeça de Merselot girava sem parar, ele nem conseguira levantar da cama, tentou fazê-lo, mas não obteve sucesso, visto que ainda se encontrava em estado de embriaguez profunda. Juntou-se aos lençóis e enrolou-se novamente neles e adormeceu outra vez.
Horas, que na verdade mais pareciam anos se passaram e ele acordou com uma forte batida na porta de seu quarto, levantou ainda meio tonto para ver quem era e o que queria, era a moça da recepção avisando-o de que seu tempo tinha expirado e ele tinha de sair. Assim que a recepcionista deu as costas, Merselot vestiu-se adequadamente e retirou-se do quarto rumo a portaria do hotel.
Saiu caminhando lentamente, sentia seu corpo flutuar, não sentia seus pés tocarem o chão sólido e duro, a calçada parecia-lhe nuvem. Era como se estivesse pisando em algodão em câmera lenta, quase congelando a imagem.
A manhã findou. E Merselot havia chegado a um bosque, um grande bosque verde e hermético, coberto pela vegetação e livre até mesmo de raios solares. Ele próprio não sabia como havia chegado lá, lembrava que depois de acordar e sair andando pela calçada próxima do hotel onde esteve hospedado sentia como se flutuasse, e fora isso não se lembrava de nenhum outro episódio.
Sentou-se sob uma grande pedra e buscou pelo maço de cigarros em seu bolso, mas enigmaticamente não o encontrou, em seguida olhou para frente e avistou uma grande horta. Pensou ele em como poderia ser possível uma horta em meio a selva, e em frente a horta havia uma placa de madeira dizendo “ seja bem vindo, aqui é seu novo lar, cuide de suas hortaliças”.
O homem sentiu um brilho no fundo de seus olhos secos, sentiu o coração elevar-se para fora do peito, sentiu-se pleno como nunca se sentira antes em momento algum de sua vida.
Ele acabara de descobrir o sentido para sua existência, a decadência explodira e fora deixada para trás enquanto ainda estava na cidade fria e desprovida de vida, agora ele encontrara um verdadeiro motivo para viver. As hortaliças.