domingo, 15 de março de 2015

Girassóis despedaçados

Era pontualmente 16 horas, os ponteiros do relógio marcavam exatamente o horário do encontro deles no velho parque central da mórbida cidade cinza. Fazia alguns anos, alguns anos que haviam se perdido por caminhos entrecruzados da vida. Foi quando em uma tarde outonal ele passeava com o cão pelas calçadas centrais da cidade quase invisível e adormecida e a encontrara coincidentemente saindo de um café.
Não acreditou, não pode crer no que seus olhos viam, não hesitou e aproximou-se dela e perguntou quem era, explicando que conhecera uma moça a muitos anos atrás semelhantemente igual a ela, mas não achava que fosse possível, visto que as pessoas envelhecem e Margarida deveria estar com um aspecto menos jovial que o da moça em questão.
Seus olhos arregalaram, sua respiração diminuíra quando a jovem confirmara chamar-se Margarida. Não, não podia ser pensou ele. A moça não o reconheceu imediatamente, depois de alguns minutos de conversa o identificou, o diálogo fora breve, ele estava apressado e ela tinha um compromisso, mas não deixaram de marcar um encontro para conversar. E assim foi, marcaram para alguns dias depois no parque central.
Os dias passaram e o dia chegou, e lá estava ele usando um casaco preto, usava cachecol cinza, e fumava enquanto a esperava. Ele quase se camuflava com o cinza da cidade, o local estava abandonado, poucos o visitavam, os bancos estavam enferrujados, as árvores tristemente enfadonhas e o parque decrépito jazendo lentamente com as idas e vindas das estações do ano.
Alguns minutos de atraso e ele acabara seu cigarro, dera uma volta e retornara ao mesmo local. Ah, finalmente avistara seu vulto em negros trajes discretos, o cabelo esvoaçante, passos leves, parecia flutuar. Ventava muito naquela tarde e quanto ao sol, ah meu caro, esta estação do ano ele pouco surge ao horizonte, mas esporadicamente surgia e tornava a desaparecer tão espontâneo e sutil, tão breve.
Ela chegou, seu perfume delicadamente estonteante o deixara sem palavras por alguns segundos, apenas a fitara ainda sem crer em sua presença ali, bem diante de seus olhos, no velho parque onde muito se divertiram na infância abandonada, tão abandonada em memória quanto o parque hostil.
George encabulado pediu se podia abraçar Margarida, a moça respondeu que sim, ela não compreendia o real motivo de todo o nervosismo que percebera no jovem, pensava ela que tal comportamento fosse exagerado e desnecessário. Afinal, não passavam de amigos de infância, crianças que desfrutavam suas horas brincando no parque central. Mas para George a velha infância que para Margarida estava enterrada no passado e esquecida em memória era tão importante quanto o respirar de um ser vivo, sem o ar ele morre, e para George reencontrar Margarida era como voltar a respirar.
Sentaram-se nos velhos balanços que rangiam estrondosamente, os balanços moviam-se lentamente, e George e Margarida conversavam coisas triviais. George queria saber sobre Margarida, a jovem ia respondendo suas perguntas e nada perguntava. De repente começara a se irritar com a situação e despedira-se de George e saíra caminhando rapidamente. George correu atrás da moça que o ignorara. Ele, revoltado com o comportamento de Margarida fora embora.
Dias se passaram e em um dos passeios de Margarida George cruzara o seu caminho, ela caminhava sob um penhasco, ventava muito e George lhe dera girassóis e se desculpara pelo episódio de dias atrás, Margarida agradeceu pelas flores e disse que não tinha nada a falar sobre o assunto, que até já havia esquecido.
Pela segunda vez, e sem intenções de feri-lo, George sentiu-se massacrado por Margarida, não hesitando, empurrou-a do penhasco, seu corpo flutuava entre girassóis que como em câmera lenta desfocada mesclavam cores, sons e corpos despedaçados.






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