segunda-feira, 20 de junho de 2022

Entre rosas e espinhos, o milho

 

  • Março de 1979, a família acabara de chegar a São Paulo, com toda a economia feita e com a herança do falecido pai, Jânio comprara uma velha casa ao final de uma rua pacata e bem arborizada.A casa precisava de algumas reformas, estava há muito tempo abandonada, pintura descascada,infiltrações, vazamentos, o portão de ferro, praticamente se via alguma pintura, bem como o cercado da propriedade, a energia precisava ser religada. O espaço era abundante, percebia-se que outrora o jardim fora muito bem cuidado, bem como a horta e plantação aos fundos do imóvel. Era realmente um bom espaço, com um velho poço aos fundos de onde em outra época fora um lindo milharal.Jânio pouco a pouco ia reformando a velha casa, e dando vida ao lugar, a mãe contava com boa saúde, era aposentada e gostava de mexer na terra, então dona Gertrudes, ficara com a responsabilidade de tomar conta do jardim, Dalila por sua vez, assumia a limpeza da casa e cozinhava, Jânio que durante o dia trabalhava como professor de direito, quando chegava em casa, ao final do dia, ia consertando tudo aquilo que necessitava, inicialmente foram as infiltrações e vazamentos, feito isso, começara a pintura na parte interna do imóvel, depois viria a pintura da parte de fora, e, por fim, grades e portão.

    E assim a vida passava calmamente, todos tranquilos e felizes na nova morada. Dia após dia, mês após mês, ano após ano….Desde a morte do pai, Jânio assumira fielmente todo o tipo de amparo e cuidados com a mãe e irmã era o provedor da família, dona Gertrudes contava 63 anos, enquanto a irmã caçula apenas 17 anos. Para o jovem adulto, com grandes responsabilidades, estava tudo bem, afinal não havia casado, tampouco tido filhos. Então cuidar da mãe e da irmã não era um problema, e sim uma satisfação, visto também, que era cuidado por ambas, afinal a irmã tomava conta da casa, cozinhava, a mãe gostava de cultivar as flores e os vegetais, logo, cada um cumpria com sua parte.

    Com o passar dos anos dona Gertrudes começara a adoecer lentamente, Dalila, já sem esperanças de uma vida diferente daquilo que vivera desde a infância, seus sonhos não cabiam em si, desanimava cada vez mais. Jânio, era um sovino solteirão e mal resolvido. De nada adiantava a irmã solicitar ajuda, estava definitivamente exausta de tantos afazeres domésticos, quanto mais o tempo passava, mais se desgastava, mais angustiada se sentia.

    O fardo começava pesar de acordo com os anos. A esclerose da mãe piorava, Dalila já passava a ser responsabilizada de tudo, ela não dava conta, era muito trabalhoso, exigia tempo e energia, e era preciso que alguém viesse para ajudá-la, ou melhor, assumir o comando da casa.

    Um enorme peso pairava sobre o lar da família, a hostilidade se instalara naquele local enquanto nada era feito. Mais alguns anos se passaram e Dalila não suportando mais a situação começava a pensar em como acabar com aquela situação maçante para si e pôr fim, e finalmente conquistar seus objetivos. Planejara silenciosamente o seu propósito diabólico.

    O ano era 1984, Dalila como de costume, todos os dias dava os medicamentos para a mãe, esta, incapacitada de fazê-lo sozinha, e dependendo absolutamente da filha para tudo, naquela tarde outonal, as folhas dos plátanos da rua caíam violentamente, havia bastante vento, a rua, como de costume se encontrava tranquila e praticamente inabitável, um gato atravessava a rua e subira no muro da velha casa, Dalila preparou os remédios que fizessem a mãe adormecer profundamente, e quando a idosa finalmente caiu em sono profundo, a jovem com um machado deu um golpe certeiro na velha, a enrolara em um cobertor, depois em um grande saco plástico, amarrara uma corda, e a enterrara no jardim da casa, jardim este, por anos cultivado pela mãe quando ainda exalava razoavelmente saúde. Em suas memórias, Dalila recordava o trabalho árduo para restaurar o solo rígido e iniciar a nova plantação das rosas vermelhas que por ali habitavam e ornamentavam o belo jardim cuidadosamente zelado por sua mãe. O momento era de tristeza aliado alívio, um sentimento estapafúrdio.

    O corpo da velha fora cuidadosamente depositado na cova feita por Dalila na noite anterior, em seguida pés de roseiras igualmente vermelhas preencheram o buraco onde a mãe dormiria e descansara para a eternidade.

    Jânio, ao final do dia, chegara em casa, exausto e com muito sono, sentara na mesa da cozinha e pediu que a irmã preparasse um chá, jamais imaginaria que no chá haviam ervas que danificariam sua vida, interrompendo-a bruscamenteDepois de ter bebido o chá quente, ainda comera uma torrada, fora até o banheiro, embebedou-se da ardente água que percorria pelo seu corpo, juntou uma toalha palidamente desbotadas causadas pelos danos de sua velhice, em seguida fora até seu quarto vestiu-se com um roupão azul acinzentado, quase que indefinível era a sua a cor, combinando com o restante do recinto mórbido, Jânio sentou-se na cadeira de balança, que rangia, fazendo um barulho estrondoso, como todas as noites estava lendo um livro, ele apreciava o tema criminais. Adormecera na cadeira, e esta, cada vez emitia menos barulho.

    Em meio à madrugada Dalila entrara no quarto do irmão, para averiguar se ainda vivia, o relógio tilintava 3 horas, Jânio não respirava mais, parecia estar adormecido, segurando o livro em suas mãos gélidas, uma manta cobria suas pernas, neste instante seu coração não pulsava mais, Jânio dormira para sempre. E o mesmo foi feito com seu imundo corpo de homem pão-duro, que passara parte da sua medíocre existência ceifando a jovem irmã de seus sonhos, seus desejos e sua ânsia de viver. Dalila já havia preparado o solo do quintal, não foi tão fácil, visto ali existia um milharal, quase que sem espaços, um pé do outro, deu trabalho, mas obteve sucesso no fim. A irmã fizera o mesmo que anteriormente cometera com a mãe, cobertores, plásticos e corda. Então depositou o corpo do irmão na vala.

    Feito o ato, missão cumprida! Ela dormira tranquilamente, sem pesadelos ou culpa, em seus ouvidos ressoava uma agradável canção que assemelhava a um anjo.

    Na manhã seguinte os pássaros celebravam alegremente o dia e o sol que surgia no límpido no horizonte, assim como as flores desabrochavam coloridas e vibrantes. Dalila com sua pequena mala de sonhos seguiu rumo à estação de trem.


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