terça-feira, 16 de junho de 2020

Olhos de abismo





Ao chegar à pequena cidade, ele não se vislumbrara como um jovem calouro, recém-saído do seio materno, saindo de casa pela primeira vez, para estudar, e, dali para frente possivelmente cortar o cordão umbilical. Esta fase, para ele, já havia passado há alguns anos. Chegando à universidade, direcionou-se até o curso de humanas, onde seguiria seus estudos com base na literatura britânica.
Ainda jovem, bem aperfeiçoado, um tanto misterioso, diga-se de passagem, taciturno e com ares melancólicos Harold com o passar dos dias não se pronunciara muito, pouco falava de si, de sua visão de mundo ou da própria crítica literária, se manifestava quando necessário e se, necessário.
Ficara inicialmente em um pequeno quarto de hotel. Hotel barato, sujo, com lençóis que podia-se duvidar se eram trocados quando os clientes antigos abandonavam os quartos. As lâmpadas eram escuras, as paredes desbotadas com algumas rachaduras. Ali ele permaneceu até que encontrasse um abrigo habitável, com melhores condições onde pudesse respirar ar puro, onde a luz fosse mais clara e pudesse fazer suas leituras noturnas.
Depois de mais um menos um mês naquele quase inóspito quarto de hotel, conhecera alguns colegas do curso de mestrado, e fora convidado a ir morar com eles, marcaram um dia para que fosse conhecer a pequena república. Esta, era espaçosa, tinha uma cozinha coletiva, dois banheiros, uma ampla sala de estar, duas salas de estudo, uma área de serviço com uma velha máquina de lavar roupas e 4 quartos, sendo 3 deles ocupados. Harold achou que era muito viável se mudar e no final de semana seguinte migrou para lá.
Ele possuía olhos de poço infinito, negros e sem brilho, de inteligência indiscutível, passara os quatro anos da graduação afundado nos livros, ninguém tinha a menor dúvida de que fosse o mais aplicado estudante da classe. Pouco se sabia sobre ele, discreto e de poucas palavras, mal fizera algum tipo de amizade. Morava em um pensionato. Lá contava por volta de dez rapazes, todos estudantes.
Em uma manhã ensolarada de sábado a dona da pensão aparecera repentinamente para cobrar o aluguel atrasado, dona Judite era uma senhora pacífica, dona de alguns dos pensionatos da cidade, era mulher de negócios e muito correta. Na manhã em questão foi até um de seus pensionatos, cujo aluguel estava com alguns dias de atraso, conversara com Guilhermino, o responsável pela locação. O jovem educadamente lamentara o ocorrido e a avisara de que o pagamento entraria em sua conta na semana seguinte. Judite, tranquila, foi embora sem nenhuma dúvida de que Guilhermino estaria lhe faltando com a verdade.
Passados uma semana e o combinado não sendo cumprido, Judite voltara à pensão a fim de resolver as pendências. Se locomoveu até lá novamente em um sábado e não obtera sucesso, não encontrara ninguém em casa.
Na semana seguinte, já passados quinze dias, ela voltara à casa dos estudantes, lá, encontrou Guilhermino lendo um livro na mesa da sala principal, bateu à porta e Guilhermino pediu que entrasse.
Entrou e já com pouca paciência alertou o jovem de que teriam poucos dias para pagarem o aluguel ou então seria obrigada a despejá-los. O jovem rapidamente aproximou-se da proprietária e disse que em breve a pagariam.
Judite dera mais uma semana de prazo para que acertassem o que deviam. Passado o prazo a proprietária do local voltara obstinada a receber o prometido. Guilhermino disse algumas palavras que não a convenceram, e ela tornara-se rude com o jovem, alegando de que os despejaria dali. Guilhermino desesperado arremessara um martelo sob a cabeça de Judite, em seguida, o sangue escorria por entre as tábuas do velho casarão. O jovem, assustado chamara seus colegas, que vieram rapidamente. A impressão que se tinha era de que a velha havia falecido, tamanha tinha sido a martelada em sua cabeça. O sangue penetrava lentamente nas velhas tábuas do casarão.
Quando seus colegas chegaram e viram a cena, assustaram-se e deram passos para trás desacreditando no que enxergavam. Eles viam Guilhermino como um ser calmo, pacífico e incapaz de fazer mal a uma mosca. Foi então que Harold, com seus olhos negros e profundo, taciturno, de poucas palavras, parecendo tão inofensivo, temendo o pior, instintivamente, para livrar o colega de qualquer mal, resolver martelar mais algumas vezes a cabeça da velha.
Dona Judite, desmaiada ao chão e sangrando, aos olhos de quem a via, parecia estar morta. Sem saber o que fazer, os demais garotos não agiram. As horas passaram, então, decidiram levar Judite ao hospital,ela ficou internada e diagnosticada com hemorragia cerebral. A notícia deixara sua família em estado de choque, através dos enfermeiros descobriram quem a levou ao hospital, foram atrás dos garotos, inicialmente negaram qualquer coisa, alegaram que a ajudaram, mas não deu certo, assim que pressionados confessaram a barbárie e entre eles tiveram que apontar o autor do crime, do contrário, se a matriarca da família não recuperasse completamente a saúde todos pagariam. Então acabaram falando toda a verdade, sendo o maior responsável Harold. Judite permanecera por alguns dias no hospital e, finalmente com o diagnóstico completo, depois de vários exames feitos, a conclusão era de que seu cérebro estava comprometido. Seus familiares ficaram perplexos com a notícia, Judite estava condenada a receber cuidados constantes, jamais recuperaria a memória bem como estava com delimitações mentais.
Depois de um tempo com a matriarca já em casa, sendo alimentada por outra pessoa, tomando remédios, precisando de alguém para trocá-la, de alguém para ajudá-la na locomoção, as pessoas já...já meio que tinham esquecido tudo, e a vida naquela pequena velha cidade abandonada às ruínas, que sobrevive por causa dos jovens estudantes começava voltar ao normal, digo isto por dois motivos, primeiramente, a velha é muito importante no vilarejo, e, sendo a cidadezinha muito pequena, não há nenhum tipo de violência, tirando uma briga de bar, e coisas do gênero, então o episódio das marteladas foi um acontecimento marcante para todos.
Inverno de 1996, algo inesperado, Harold tinha ido morar em um quarto de hotel depois do episódio da pensão. Estava muito frio, ele saíra de roupão do banheiro, o quarto estava cinza devido à água quente do chuveiro, havia pedido vinho e lasanha, quando deu o primeiro passo, foi surpreendido por três homens encapuzados e usando trajes escuro, amarraram-no, colocaram-no no carro e o largaram no trilho de trem.
Harold começara a se debater, e de repente sua fé se fez tão presente, que fé com sorte se entrelaçaram e ele conseguiu rolar e sair do trilho, porém, dali ele rolou, e rolou ribanceira a baixo, muito íngreme, rolou até a metade mais ou menos e ficou enroscado em uns galhos secos, não podia gritar, estava com longas e largas fitas em sua boca, também não podia se soltar, estava muito bem amarrado, ali permanecia, dia e noite, frio e chuva. Muito além bem lá embaixo, havia um pequenino vilarejo, agricultores ali viviam, lá do alto podia se ver as casinhas, carroças, os pequenos galpões, hortinhas e toda a plantação, era lindo de se ver.






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